Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

06 outubro, 2011

Nada entre nós tem o nome da pressa

  
Sabemos com a ciência provada de uma vida inteira que não é necessário termos pressa. O tempo espera por nós. O tempo pára para nós, sempre parou.

Tu olhavas para mim com vagar, distendido, menino maroto, olhavas para mim e o tempo parado, esperava que olhasses com tempo. E eu, imóvel, tinha todo o tempo para ti, com vagar olhava também para ti, enamorada, feliz por te ver, feliz por me deixar ver. E outras vezes o tempo parava que pudessemos conversar longas e longas conversas. E eu ouvia-te. Contavas-me do mar, das ondas, do sol, dos peixes, dos barcos e eu ouvia-te e sentia-te tisnado, salgado, livre. As nossas palavras. Tu falavas, eu escrevia.

E ainda assim é, agora eu escrevo, tu lês. Estamos aqui os dois, com tempo, com a ternura do vagar.

Os navios partem, as estações passam, as palavras por vezes parecem gastar-se, as aves partem para longe  - mas nós os dois ficamos, guiando-nos um ao outro nos labirintos que a vida por vezes vai desenhando. Deixa, meu amor, deixa, o tempo esperará sempre por nós.



[E agora vamos os dois até ali, ao beco mais recatado do Ginjal, desçamos até onde a divina Sarah Vaughan sings scat Blues.]

Junto ao Tejo com os seus barcos, um vagar a dois


            Nada entre nós tem o nome da pressa.
            Conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado
            traçou os seus próprios labirintos. Sobre a pele
            é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. Porém,

            se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas -
            o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,
            um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra
            que nunca escreveremos. Entre nós

            o tempo desenha-se assim, devagar.
            Daríamos sempre pelo mais pequeno engano.


            ('Nada entre nós' de Maria do Rosário Pedreira in 'A casa e o cheiro dos livros')

.

2 comentários:

  1. 'O tempo espera por nós'
    Nunca me tinha ocorrido. Mas é verdade, para quê correr? Para quê a pressa?

    Jeito manso, os seus blogues são uma inspiração.

    :)

    Bom fim de semana

    Olinda

    ResponderEliminar
  2. Obrigada pela sua visita, pelas suas amáveis palavras.

    Quanto ao tempo - sabe que tenho uma relação ambígua com ele?

    Se, por um lado, acho que o tempo nos foge e que temos que fazer o que queremos agora antes que não voltemos a ter oportunidade, por outro, acho que temos que deixar que o tempo espere, temos que o desfrutar com vagar, senão a vida passa em correrias e nem damos por ela.

    No entanto, nem todas as pessoas têm o condão de nos fazer querer que o tempo pare, nem todas as pessoas têm o dom de fazer com que achemos que o tempo parou para que o possamos viver devagar.

    Quando achamos essa pessoa(ou no dia em que isso acontecer), temos que saber aproveitar o tempo e o que podemos fazer com ele.

    Bom domingo, Olinda!

    ResponderEliminar