Setembro avança e a luz dourada embala-me os sentidos. A luz macia, a aragem perfeita, o silêncio, apenas o rumor da água. Sabes que, quando aqui estou, me apetece voar, sabes, não sabes? Levanto os braços, aspiro o ar, penso em ti. Quero voar até ti. Gosto destes fins de tarde, a noite que chega, doce, terna, terna é a noite e não sorrias, dá-me antes a tua mão, leva-me pelos ares, leva-me até lá onde nasce a madrugada. Deixa-me dizer-te que amo a vida, que amo a amizade, que amo as palavras, deixa-me dizer-te palavras assim, e não digas que são palavras sem sentido, não digas, deixa que fiquem suspensas no ar, que as leve o vento, que as leve até ti. Acende aí uma vela e abre a tua janela para que eu, quando passar a voar, a possa ver. Quero entrar, quero passar a minha mão no teu cabelo, dizer-te um segredo, quero fazer-te sorrir. Vou dizer-te 'tu és a esperança' e tu não vais perceber e eu não vou explicar porque apenas quero dizer a palavra esperança, dizê-la devagarinho, ciciada, ao teu ouvido, para te fazer arrepiar, para te fazer sorrir.
Ginjal, o Tejo, Lisboa, o amor em Setembro |
Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste
nas tardes de Setembro,
quando a lua é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.
quando a lua é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.
('[Tu és a esperança...], de Eugénio de Andrade in 'Antologia breve')
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