Tens um beijo guardado dentro de ti. Está há tanto tempo guardado dentro do teu coração. Fechaste-o com chave e escondeste a chave. Um beijo precioso guardado dentro de um cofre de que só tudo conheces o segredo. Aprisionaste-o. No inverno, pensas: vem aí a primavera, e com ela virá uma rosa e com ela virá a mulher de pele de rosa que merecerá o meu beijo. Mas passa a primavera, vem o verão e as rosas ficam sem cor, vem o outono e caem as pétalas e logo chega o inverno e voltas a pensar que já se sente a fina aragem da primavera. E o beijo fechado dentro de ti.
Mas hoje, de noite, vai até à janela, olha o céu, sente o aroma das flores, sente o aroma fresco da madrugada que se aproxima. Depois pousa a tua mão sobre o teu peito, sente o teu coração, sente, sente, ele bate, bate solitário, com um pequeno beijo que definha lá fechado. Respira o ar fresco da noite. E deixa que o teu coração se abra. Não tenhas medo, não tenhas. Um dia uma mulher vai pedir esse teu beijo. Um dia uma mulher.
Janela no Ginjal |
Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
('Não tenhas medo do amor', poema de Maria do Rosário Pedreira in 'Nenhum nome depois')
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