Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

21 setembro, 2011

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão devagar sobre o peito da terra


Tens um beijo guardado dentro de ti. Está há tanto tempo guardado dentro do teu coração. Fechaste-o com chave e escondeste a chave. Um beijo precioso guardado dentro de um cofre de que só tudo conheces o segredo. Aprisionaste-o. No inverno, pensas: vem aí a primavera, e com ela virá uma rosa e com ela virá a mulher de pele de rosa que merecerá o meu beijo. Mas passa a primavera, vem o verão e as rosas ficam sem cor, vem o  outono e caem as pétalas e logo chega o inverno e voltas a pensar que já se sente a fina aragem da primavera. E o beijo fechado dentro de ti.

Mas hoje, de noite, vai até à janela, olha o céu, sente o aroma das flores, sente o aroma fresco da madrugada que se aproxima. Depois pousa a tua mão sobre o teu peito, sente o teu coração, sente, sente, ele bate, bate solitário, com um pequeno beijo que definha lá fechado. Respira o ar fresco da noite. E deixa que o teu coração se abra. Não tenhas medo, não tenhas. Um dia uma mulher vai pedir esse teu beijo. Um dia uma mulher.

Janela no Ginjal


                   Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
                   devagar sobre o peito da terra e sente respirar
                   no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
                   crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
                   e as campainhas azuis; a menta perfumada para
                   as infusões do verão e a teia de raízes de um
                   pequeno loureiro que se organiza como uma rede
                   de veias na confusão de um corpo. A vida nunca                

                   foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
                   Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
                   tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
                   da tempestade que faz ruir os muros: explode no
                   teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
                   pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
                   hão-de pedir-to quando chegar a primavera.


('Não tenhas medo do amor', poema de Maria do Rosário Pedreira in 'Nenhum nome depois')

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