Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

12 setembro, 2011

não te pergunto de onde chegas, porque sei para onde vais


Sem que me avisasses, sem que eu te tivesse perguntado quando chegarias, eis que vieste. Mas não me procuraste. Por isso não sei a hora exacta a que chegaste, não sei quando partes, não sei se ficas.

Como de costume passeava junto ao rio e, para minha surpresa, bem no meio, como se estivesse pousado sobre o Tejo, como se fosse um desenho infantil, ali estava o teu pequeno barco, o barquinho de papel que desenhaste a azul, que disseste que ias pôr no rio.

Pequenino barco no Tejo de aspecto totalmente artesanal, avistado do Ginjal

E assim fizeste. Vieste. Mas ainda não ouvi a tua voz, ainda não vi o teu rosto. Estás ainda, certamente, dentro da minúscula embarcação, a saborear a leve ondulação, na companhia dos pássaros que guardas no teu chapéu, aspirando a maresia, sonhando. Deste pequeno barquinho não podias ter saído. Como o farias? Estás longe das margens, longo dos cais, estás simplesmente ali, ficando no rio que passa.

Estás ali, tão perto, e sempre, meu amigo, sempre tão inacessível.

Mas, tal como não te chamo, também não te procuro. Virá a noite, virão noites pesadas, e tu ali pernoitarás, em silêncio, nesse teu mundo distante, imaginado, imaterial.

Até que um dia me encontrarás. Serás tu a vir ao meu encontro. Num dia especial, virás até mim, entrarás no meu mundo que não existe, tirarás o teu chapéu, deixarás voar os pássaros e, com o teu sorriso menino, oferecer-me-ás um ramo de lírios brancos. E levar-me-ás, a voar nos teus braços, até ao teu pequeno barquinho azul, e iremos os dois, navegando nos nossos sonhos inocentes.

barquinho 'que fica no rio que passa'

Because I do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn

T. S. Eliot, Ash Wednesday



                                             não te pergunto de onde chegas?,
                                             porque sei para onde vais.
                                             hoje é a hora exacta em que até o vento
                                             até os pássaros desistem.
                                             e a noite a teus pés é um instante
                                             e um destino.

                                             não te pergunto onde está o teu rosto,
                                             tantas vezes ocluso e pisado sob os ramos,
                                             onde está o teu rosto?
                                             nem te peço que incendeies o teu nome
                                             numa nuvem nocturna,
                                             nem te procuro.

                                             és tu que me encontras,
                                             ficas no rio que passa,
                                             nada de um tempo que não existe,
                                             nem correntes, nem pedra, nem musgo.
                                             nem silêncio.


('não te pergunto de onde chegas?', mais um belo poema de José Luís Peixoto in A Criança em Ruínas)

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