Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

10 setembro, 2011

Fica um pouco mais, fala da terra iluminada abrindo à última chama o verão


Chegas-te a mim, esperas que o dia chegue ao fim para vires para junto de mim e eu aqui estou à tua espera.

Falas comigo na tua língua que é a minha mas que me soa diferente.

Gostas de me contar da sombra junto à água que corre, gostas de me falar de pedras macias, de árvores na montanha, adoças as palavras e usas diminutivos e eu imagino o sorriso menino quando as dizes, e eu ouço atenta, enternecida, comovida até e, ao ouvir as tuas pausadas e queridas palavras, fico a imaginar que a sombra é doce, que a água vai fresca, cheia de vida, que as árvores são altas.

Estamos em Setembro, é a última chama do verão.

Tu conheces bem estes caminhos, a sua respiração, a forma como a aragem percorre com infinita doçura estes fins de tarde em que por aqui me deixo levar.

Pegas-me na mão e dizes, 'vem, deixa-me mostrar-te o caminho das águas' e eu vou porque tu sabes falar-me da terra iluminada.

E depois mostras-me os seixos macios que acaricias na palma das tuas mãos e eu substituo-as pelas minhas mãos e tu dizes, 'são macias' e eu digo, 'fica um pouco mais, fala da da leve embarcação do vento' e tu dizes, 'eu falo: eu levo-te comigo na minha pequena embarcação' e eu respondo-te a sorrir, 'não digas, que eu vou...' e du dizes, 'não digas isso, que eu acredito...'

Brincamos, sonhamos.

A terra é boa e nós estamos tão perto, tão mais perto do que imaginávamos.

'Não vás, não vás já, continua a falar-me de pássaros, de flores, de árvores, da terra, dos riachos alegres e frescos, não vás, fala-me agora de ti, fala-me dos teus sonhos, fala-me, fala-me que eu quero sabê-los, quero estar perto de ti', digo-te.

'Digo-te sim, mas ao teu ouvido, que não quero que ninguém nos ouça', respondes-me e, aos poucos, aprendo a compreender-te.

Vistos da Casa da Cerca, homem e mulher abraçam-se, falam ao ouvido - no Ginjal, numa praia do Tejo


AO OUVIDO


Fica um pouco mais, fala
da terra iluminada
abrindo à última chama

do verão; tu conheces
a sua sede, a sua respiração.
Um pouco mais, sê

como sopro da tarde, acaricia
com mão pequena embora
o que no fundo da noite

resta da manhã; fala da leve
embarcação do vento; levando
consigo a poeira, o sarro

do tempo entornado no chão.
A terra é boa; ao meu ouvido
volta a dizê-lo.


('Ao ouvido' de Eugénio de Andrade in 'Os lugares do lume')

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