Avanças sozinho. Corres. Depois chegas a casa, cansado. Agora estás aí, sentado em frente do computador. Abandonas-te a ti próprio, tentando puxar-me para junto de ti - a mim, esta que te escreve, que está aqui e que não vês, que não podes ver.
Pensas em mim. Como sou? Como é o meu olhar? E o meu sorriso? Como é a minha voz? Não sabes, não podes saber.
À noite dormes um sono pesado e, ainda na cama, pensas que o dia pouco te trará, nenhuma satisfação, muito cansaço.
Querias ser pássaro para voar para longe, para te elevares - mas não podes. Estás irremediavelmente preso ao teu mundo que tão pequeno é para ti.
Mas não estás sozinho, sabes que não. Todos os dias, sento-me aqui e escrevo estas palavras que podes usar como tuas, como pássaros que soltes na tua janela. Melhor, faz assim: escolhe aquelas de que gostes mais, apara-as, ajeita-as a teu gosto, e une-as como um pequeno ramo de flores. E amanhã oferece-mas. E nunca me venhas com palavras que cortam, só quero sorrisos e flores.
[E a seguir ao poema, dado que há 'Música no Ginjal', segue para a sala abaixo: hoje é Sylvie Guillem. Allez y]
Em Belém, num belíssimo fim de tarde de Outono, homem corre sozinho |
Abandono-me ao prolongamento
do dia onde não me vês nem podes.
teu sono é profundo e assobias.
Não durmo e a vigília dura
até de manhã, quando levantar
é a contigência de um emprego
que não é, se alguma vez foi
de satisfação.
Prevenido com punhais
para enfrentar o adverso
meu olhar enlaço o pássaro
que fala no seu voo,
desafia-me e eu fico
preso à desumanidade
que mora a meu lado,
me atinge e compromete.
(Pássaro de Emerenciano in Ir e Vir)
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