Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 agosto, 2011

os olhos cerro para acender neles altas lembranças, delírios que adivinho

Por ti designada Artemes, a esplêndida arqueira, por ti amada e jamais esquecida, de ti a eterna e nunca lograda namorada,

o torso, os cabelos, os seios, o ventre, as mãos

o retrato que não conseguias destruir

De ti me afastei num espasmo de onda

e nunca mais voltei.


Há pouco, em Cacilhas, mesmo em cima do Tejo


Que evidência murmura o gorgolejo
da água em teu corpo!:
na curva da nuca para os ombros
sua língua derrama-se,
tarda no enleio de uma cintilação
e espuma até à concha de tua mão que a espera,
a colhe e torna afago
do peito que se arrepia e inturgesce.

Pausa breve esse arpejo,
tão ténue que teus dedos
filtram quase prazer na tepidez macia:
sua avidez flui, a tentear
o mais secreto de ti, mais desejado.

Calado o jorro que te fez despir
e te vestiu, diáfano,
querendo eu ser sua matéria,
concebo-te como ninfa de uma fonte
ao modelar-te com o que de ti lembro
e a secura cujo ímpeto em mim cresce
até abrir-se numa espera cálida.

A parede que te raptou e veda
é incitante distância, tão delgada
que oiço teu fôlego, tanto
que antecipo a meu lado tua graça,
mais agressiva pelo rubor com que arde;

os olhos cerro para acender neles
altas lembranças, delírios que adivinho
ao encaminhar-te para mim num espasmo de onda.


(Belo, belo, belíssimo poema (13) de José Bento in Sítios)

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