Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

29 agosto, 2011

Há ainda ali um rosto muito belo, que a luz ilumina com o antigo ardor - é o rosto da minha mãe


Poderia dizer que o poema descreve a minha mãe mas não, não revejo a minha mãe nestas amorosas palavras de Eduardo Pitta.

A minha mãe não é assim. O rosto da minha mãe não é um mapa saqueado, não está coberto por uma teia, por uma finíssima máscara.

Não. A minha mãe não tem muitas rugas e é ainda uma bela mulher.

Também não posso dizer que a luz se reduziu para a banhar. Não. A minha mãe é uma mulher alegre, ri-se muito (apesar da vida que, tantas vezes, lhe pesa).

Olho para ela e por vezes reparo, com surpresa, que aparecem algumas manchas de idade nas suas mãos ou que os braços já não têm a firmeza que tinham antes. Mas isso não esbate a sua jovialidade de rapariga.

E os seus belos olhos azuis têm ainda alegria espontânea e o seu riso tem a frescura e inocência de sempre.

E tem a boa disposição de quem tem a vida pela frente.

Quando era jovem adolescente, louríssima, conheceu Sebastião da Gama que um dia lhe entregou um papelinho com um poema:

Os cabelos são de oiro
para que vejam bem
que o coração
é de oiro também.

Ela guardou o poema dentro dum livro e, anos depois, quando o procurou, já não o achou. Mas nunca se esqueceu dele e hoje, aqui, o volto a trazer à vida.


Há pouco, junto ao Tejo, bela Senhora
              
                                                                                                    A minha mãe

Houve ali um rosto
muito belo, mal disfarçado
na teia geométrica
de uma finíssima máscara.

Sulcos de um antigo
ardor.
Tranquilo e arbitrário
desapego.

A luz baixou tanto.
Aquele rosto é
um papa: um mapa
crivado de cidades saqueadas.


(Afectuoso poema de Eduardo Pita, dedicado a sua mãe, in Desobediência)

Sem comentários:

Enviar um comentário