Poderia dizer que o poema descreve a minha mãe mas não, não revejo a minha mãe nestas amorosas palavras de Eduardo Pitta.
A minha mãe não é assim. O rosto da minha mãe não é um mapa saqueado, não está coberto por uma teia, por uma finíssima máscara.
Não. A minha mãe não tem muitas rugas e é ainda uma bela mulher.
Também não posso dizer que a luz se reduziu para a banhar. Não. A minha mãe é uma mulher alegre, ri-se muito (apesar da vida que, tantas vezes, lhe pesa).
Olho para ela e por vezes reparo, com surpresa, que aparecem algumas manchas de idade nas suas mãos ou que os braços já não têm a firmeza que tinham antes. Mas isso não esbate a sua jovialidade de rapariga.
E os seus belos olhos azuis têm ainda alegria espontânea e o seu riso tem a frescura e inocência de sempre.
E tem a boa disposição de quem tem a vida pela frente.
Quando era jovem adolescente, louríssima, conheceu Sebastião da Gama que um dia lhe entregou um papelinho com um poema:
Os cabelos são de oiro
para que vejam bem
que o coração
é de oiro também.
Ela guardou o poema dentro dum livro e, anos depois, quando o procurou, já não o achou. Mas nunca se esqueceu dele e hoje, aqui, o volto a trazer à vida.
Há pouco, junto ao Tejo, bela Senhora |
A minha mãe
Houve ali um rosto
muito belo, mal disfarçado
na teia geométrica
de uma finíssima máscara.
Sulcos de um antigo
ardor.
Tranquilo e arbitrário
desapego.
A luz baixou tanto.
Aquele rosto é
um papa: um mapa
crivado de cidades saqueadas.
(Afectuoso poema de Eduardo Pita, dedicado a sua mãe, in Desobediência)
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