Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 agosto, 2011

Duas árvores de avanço, uma corrida louca... e o teu coração na minha boca!

Que bom que é saber o que é o amor, que bom poder senti-lo sem palavras, uma aragem soprando no nosso rosto silencioso, ver uma gaivota que sobrevoa o rio e vem sobre nós para nos abençoar - digo eu e tu nem aí.

Que bom saber o que é o amor e saber traduzi-lo em palavras, olharmos o rio e deslizarmos junto com os navios que o atravessam, sentirmos a maresia - espera, digo eu, anda, dizes tu.

Que bom saber o que é o amor e andar porque queres que eu ande e eu quero estar parada ou esperares por mim quando queres andar e eu me deixo ficar a olhar o rio - todos os dias isto, todos os dias isto.

E a ternura e a malícia, a inocência e a paixão, a tolerância e a fúria, a vertigem de desafiar e o prazer de retroceder e isto e o contrário e a vontade de continuar assim vida fora, à tardinha, ao amanhecer, sob a luz, sob a chuva, à noite, de madrugada.

Nunca mais. Para sempre. Talvez. Quem sabe. Até amanhã. Todos os dias.


Casal há pouco, ao entardecer, no Ginjal (com parte do piso e do paredão arruinados em reparação), a Ponte 25 de Abril em fundo, sobre um Tejo tranquilo

(...)

Ganhámos juntos o que perdemos separados:
a luz incomparável, esta luz quase louca
da primavera, esta gaivota
caída dos ombros da luz,
e a leve, saborosa tristeza do entardecer,
como uma carta por abrir,
uma palavra por dizer…

Ganhámos juntos o que vamos perdendo
separados:
a alegria – inocente
cidade,
coração aberto pela manhã,
pequeno barco subindo
nitidamente o rio,

fumegando, fumando
com o seu ar importante de homenzinho…
E a ternura – beijo sobrevoando
o teu rosto fiel,
fogo intensamente verde sobre a terra,
intensamente verde nos teus olhos,
pequeno «nariz ordinário»
que entre os meus dedos protesta
e se debate…

                                                Duas árvores de avanço,
                                       uma corrida louca…
                                                            … e o teu coração na minha boca!


E o amor,
não o que destrói, o que não é amor,
não a fúria dos corpos quando trocam
desespero por desespero,
não a suprema tristeza de existir,
a obscena arte de viver,
a ciência de não dar e receber,
mas o amor que se traduz
pela bondade, a confiança,
a pureza, a fraternidade,
a força de viver, de triunfar da morte,
de triunfar da sorte,
a vertigem de conhecer
necessidade e liberdade!

 
(Excerto de 'Agora escrevo' magnífico poema de Alexandre O'Neill in 'Tomai lá do O'Neill!')


Fez ontem 25 anos que Alexandre O'Neill foi pregar para outra freguesia mas a sua voz continua acutilante entre nós

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