Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 julho, 2011

A tarde estava errada, não era dali, era de outro domingo

Este jardim, nesta margem, está aqui há tanto tempo. Junto a este pequeno jardim, corre este rio, aqui quase oceano, que passa por esta mulher que por aqui contempla a outra cidade como se contemplasse o outro lado do mundo. O rio segue, entra no oceano que banha o país, vai pelos mares, levando um pouco dela até tão longe.

Este jardim existia antes dessa mulher, antes dessa mulher saber da existência de uma outra pessoa, antes que as silenciosas palavras dessa pessoa acompanhassem os passos dessa mulher nesse jardim.

Passa um pequeno barco. Em pensamento essa mulher segue nesse barco esperando que o seu destino encontre o seu verdadeiro porto.  No entanto, é aqui, neste jardim, que a mulher fica, aguardando que um dia, um barco, lhe traga a pessoa ausente.

Pequeno barco no Tejo, quase uma alusão, avistado a partir do jardim do Ginjal

A tarde estava errada,
não era dali, era de outro Domingo,
quando ainda não tinhas acontecido,
e apenas eras uma memória parada
sonhando (no meu sonho) comigo.

E eu, como um estranho, passava
no jardim fora de mim
como alguém de quem alguém se lembrava
vagamente (talvez tu),
num tempo alheio e impresente.

Tudo estava no seu lugar
(o teu lugar), excepto a tua existência,
que te aguardava ainda, no limiar
de uma súbita ausência,
principalmente de sentido.

(Belíssimo, inquientante poema, 'Primeiro domingo' de Manuel António Pina in 'Poesia, saudade da prosa')

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