Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 junho, 2011

Agora lês saramagos & coisas assim e eu já não fico a ouvir-te como antigamente

Gostas das minhas pernas, gostas de as percorrer e o tempo não passa por nós. E leio Saramago, sim.

Leio Saramago, e não é coisa do passado. É de hoje e de sempre.

Dizem que se foi embora há exactamente 1 ano mas não foi.

Estou agora a vê-lo na televisão, passa o documentário José e Pilar. Vejo-os a renovarem os votos, abraçam-se.

E hoje as suas cinzas foram colocadas junto à raiz de uma oliveira que veio da aldeia da Azinhaga. Junto à oliveira há um banco. A partir de agora, um local muito especial. Saramago estará lá.

Às vezes, nesse banco sentar-se-á um casal, ele olhará as pernas da mulher, percorrê-las-á e falarão de coisas perfeitas.


No cais de Cacilhas, casal olha Lisboa, o Tejo a seus pés

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.



('Esplanada' de Manuel António Pina in 'Poesia, saudade da Prosa')

2 comentários:

  1. Amiga.

    Lembras Saramago e é uma bela recordação essa tua. Há um banco junto da oliveira. Nele repousarão os que vêm cansados, os que vêm sozinhos, os que vêm sem esperança, também os que virarão a página de um livro enquanto olham o rio. Muitos fecharão os olhos para esquecer um pouco a vida, sentindo o vento na face e no corpo. Um casal solitário se encontrá, talvez,nesse banco, e sairá a passo pela praça e pela vida.

    Do outro lado do rio, "no local mais belo do mundo, de frente para a cidade mais linda do mundo...", dois olhos nos falam da maravilha.

    Estou gostando muito dos textos e das imagens, que percorro lentamente como um barco a vela a olhar a cidade.

    Um abraço.

    Jorge

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  2. As suas palavras, Jorge, são de uma grande gentileza.

    Fico também muito agradada com o seu entendimento sobre Saramago, que era um homem também bastante gentil (ao contrário do que pensam muitas pessoas, que o tomam por homem amargo).

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