Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

24 fevereiro, 2011

A boca procura trabalhos de amor mas encontra apenas o nó de sombra das palavras

Este sol de inverno faz parecer que estamos quase no verão e faz-me lembrar o nosso verão.

Mas em vez da tua boca encontro apenas as palavras que, em silêncio, vou dizendo.

Onde um só beijo bastaria, apenas tenho a recordação das palavras.

E aqui, neste sítio de colinas e mar, de azuis e transparências, de aves que voam livres, eu olho o rio e lembro as tuas belas palavras de amor.

Meu amor.

Meu amor.

Ginjal, o Tejo, o casario, a Ponte, os azuis, as cores suaves: uma beleza tranquila

A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.

O verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombras das palavras.

Palavras... Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras -
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo estreme, a ponta extrema,
do teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.

Do chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meus flancos.
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.


('Desde o chão' de Eugénio de Andrade in Antologia Breve)

2 comentários:

  1. gosto muito da profundidade da fotografia.

    ResponderEliminar
  2. Muito obrigada, Luís. De facto, eu própria gosto muita da fotografia. Mas o local é tão extraordinário que o fotógrafo quase nem precisa de ser grande coisa...

    ResponderEliminar