Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

27 setembro, 2018

Que podíamos fazer senão dançar?




Chamavas-me Koré e só eu sei como nunca quis ser a tua deusa. Olhavas-me com olhos cheios de amor e vias-me como divina e toda eu era transformada em palavras. 

O cabelo de ouro velho, os olhos de água, as mãos pequeninas que querias junto a ti na hora da tua partida, os seios que descrevias como os vias, o ventre que achavas esculpido. Eu era um poema. E outro poema. Era letra de canção. Era amor eterno, musa, dor. Eu era a luz e a ausência dela. Era riso e a razão das tuas lágrimas. Era a que dançava nas tuas mãos e entre os braços de quem te fazia doer. 

Eu era a tempestuosa adolescente dos cabelos de fogo, de temperamento de guerreira, de boca de mulher, sorriso de menina, eu era a fonte dos beijos que cantavas, eu era a que te cativava e rejeitava, eu era a que me entregava e logo te fugia.

Fiz-te sofrer e fiz de ti um homem, escondi-me, fiz-te conquistar-me, fiz-te amar-me sem o querer. 

Dancei para ti, dancei nos teus braços enquanto desejava outro, dancei nos braços de outro. Diana ou Artemis, guerreira, caçadora, protectora das virtudes. Memórias. Palavras. Melodias longínquas. Nunca soubeste que me quiseste demais, nunca percebeste que nunca eu poderia ser eternamente tua, nunca percebeste que eu não queria senão dançar.

Perdoa-me.


Ela trazia o fogo trazia a luz
A taça o vinho
E aquela forma de beleza
Que em si mesma
Perdura

Trazia uma Koré em cada gesto
E havia nela o dar de quem se nega
Toda ela era dádiva e protesto
Como quem se recusa e assim se entrega

Trazia a graça e a garça no andar
Que podíamos fazer senão dançar?

['Grega' de Manuel Alegre in 'Todos os poemas são de amor']

John Williams - The lament of God