Mulher. Eu sou mulher. Sinto-me muito mulher.
Uma vez, uma amiga contou-me que um amigo dela que me tinha conhecido lhe perguntava sempre por mim e, quando ela brincou com ele, ele disse-lhe que achava que eu era a mulher mais mulher que ele tinha conhecido. Nunca nada sobre mim me agradou tanto.
Uma mulher muito mulher. Toda mulher. Orgulhosamente mulher. Feminina, namorada, amante. E mãe. E muito mãe. Mãe desdobrada em mãe dos filhos dos filhos, cada vez mais mãe.
Ser mulher não me pesa. Ser mulher deixa-me voar.
Mulher desde que nasci, sempre. Em cada instante. Mulher. Escrevo palavras de mulher. Sou corajosa como só as mulheres sabem ser. Sou brava e sou doce como só às mulheres fica bem ser.
Mulher.
Graffiti numa parede perto da ex-Lisnave |
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira
- cargo muito pesado pra mulher,
essa espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
['Com licença poética' de Adélia Prado, aqui]
*
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
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