Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

31 janeiro, 2014

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

 Numa rocha no Jardim do Ginjal

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.




[Amar de Carlos Drummond de Andrade, dito por Marília Pêra]

*

CONTRASTE

Do amor
Nasce
Uma poalha translúcida
De ternura partilhada
Música
Surdina
Sempre escutada.
No silêncio claro
Uma canção
Transfigurada....


[Poema de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]

2 comentários:

  1. JOAQUIM CASTILHO31 janeiro, 2014

    CONTRASTE

    Do amor
    Nasce
    Uma poalha translúcida
    De ternura partilhada
    Música
    Surdina
    Sempre escutada.
    No silêncio claro
    Uma canção
    Transfigurada....

    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. Olá Joaquim,

    É como se eu abrisse a porta e encontrasse um inesperado ramo de rosas à porta. Muito obrigada. É lindo o poema. Vou colocá-lo lá em cima.

    Um abraço.

    ResponderEliminar