Por estas escadas subo às vezes. Confessar outra vez para quê? A buganvília pende em cachos rosa vivo e é como um chamamento. Se me obrigarem a confessar, dir-vos-ei que é em busca da companhia da flor que eu vou. Cachos floridos e perfumados, tanto que eu gosto de tê-los nas minhas mãos. Fecho-as em concha e deixo que o cacho me encha a mão. Pego-o com delicadeza, não vá magoar-se.
Onde é que eu ia?
Ah, já sei. As escadas.
Subo-as e, enquanto as subo, já vou mentalmente retirando o vestido, revendo a cama no chão, as estrelas no céu.
Ali chegando, procuro a sombra mais espessa, recolho-me num recanto, nua, disponível, expectante.
Depois começo a ouvir respirar, uma respiração apressada. Tanta impaciência, penso. Sinto que ele me espreita, o descarado, sinto que ele avança sobre mim.
Deixo-o vir (e sei que a partícula reflexa chegará não tarda). É por isso que subo aquelas escadas. Depois junto as mãos em concha. Um calor macio pousa como um suave pássaro e ali se aninha. O Unicónio nada diz. Pousa a cabeça no meu ombro e respira mais devagar.
Na sombra, há muito deixei de resistir.
Depois, quando desço de novo as escadas penso que deveria optar entre a buganvília e o Unicórnio. Afinal a concha das minhas mãos é só uma.
[Abaixo da escada com buganvílias, Maria Teresa Horta regressa em toda a sua pujança e, a seguir, Mayra Andrade aí está para nos embalar.]
Escada para fora de casa numa casa em ruínas no Ginjal |
O Unicórnio espreita-a
a vê-la desvendar-se
tão depressa uma só
como sendo inúmeras
Tirando na pressa
o que ainda é vestido
na entrega da posse
coração corrompido
Sendo a floresta
o lugar do passado
refúgio do Unicórnio
que na sombra resiste
['Perdição, IV' de Maria Teresa Horta in 'A Dama e o Unicórnio']
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