Não fujas, deixa-te ficar aqui ao pé de mim. O mundo é verde e puro, e a terra cobre-se de um manto sedoso, limpo, uma cama macia e perfumada. Folhas, flores, lagos, reflexos dourados, espelhos molhados, saudades. Desdobro a dobra do lençol, espero enquanto te vejo a afastares-te. As nuvens correm no céu, cortinas que querem cerrar-se em volta das minhas pernas - e tu não vens.
Espero por ti na beira desta cama verde, chamo-te, chamo-te, vem, e, ao ouvir o meu chamamento, os pássaros elevam-se, voam brancos, cavalos livres, alados, e correm sobre mim, dançam à minha volta.
E a paz que me trazem não a sei dizer por palavras. Destapo-me então, dispo-me, deixo que vejam os meus seios, que percebam como os meus mamilos são doces, e descubro as pernas para que vejam a flor silvestre que lá se esconde, e espero que vão contar o que viram, que voem até ti e te contem, te desafiem, te deixem doido de ciúme ou de desejo.
Depois adormeço. E depois não sei se o que sinto na minha pele é a suavidade das nuvens ou a penugem branca dos pássaros ou a macieza suada dos cavalos brancos ou se és tu que voltaste para colher a flor.
[Abaixo dos pássaros brancos como cavalos alados, poderão encontrar mais um poema de Abel Neves, o Poeta que eu conheci há pouco e que tanto estou a gostar de descobrir. Logo a seguir, a menina bonita da voz de mel e ouro, Mayra Andrade. Traz-nos a música de Zeca Afonso e chama amigos - e que mais poderemos nós querer?]
No Parque da Paz |
entre o verde verde das folhas
a nuvem é um alvo branco
o cavalo no ribeiro é um dardo branco
tu não não tens brancura
tens a paz entre os mamilos
e esperas que seja uma flor silvestre
as horas enchem-se de melancolia
adormeces com a boca na dobra do lençol
e é tudo
um lençol branco
igualzinho a cavalos e a nuvens
[Poema da pag.48 de Abel Neves in 'Quasi Stellar']
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