Nos dias que precedem o fim de alguém a quem tanto afecto sempre dediquei, a vida parece-me um caminho que acaba numa parede, ou uma página branca, vazia. Onde o sentido da vida que assim trata os seus mais puros? Um caminhar doloroso para um fim que se sabe inevitável e sofrido, um rasgar dorido de laços que ainda tinham tantos mais laços para dar - assim são os dias que se sabem finais de alguém cuja caminhada final não consigo interromper, ninguém consegue interromper.
Ainda não há muito falava da esperança que a sua boa disposição me trazia. Mas, pouco depois, as células descontrolaram-se de forma a cada dia mais apressada. Aceitar o fim pode ser um bom propósito quando não há este assistir a um súbito declínio, tão triste, tão triste, as forças a faltarem, a fala a desaparecer, a respiração a custar, a quase ausência.
Não há metáforas, não há fantasias, não há nada.
Direi um dia destes outras palavras, talvez saudades, reconhecimento, talvez recorde alegrias, talvez conte outra vez como é dourada a memória dos seus risos, das suas palavras sempre tão queridas.
Mas hoje não: hoje apenas aqui tenho palavras brancas para tentar não ver o que se avizinha.
[Peço desculpa por estas palavras mas hoje, aqui, são as que me apetecem dizer. Fernando Guimarães disse as palavras que dedicou a um outro poeta com uma outra intenção e eu agarrei nelas e com elas tento consolar-me. A seguir Waldemar Bastos faz o que pode para me animar.]
Caminhando na ponte de acesso ao miradouro panorâmico da Boca do Vento (sobre o Jardim do Ginjal) |
Pode sê-lo de si mesma e tornar-se
vazia. O que dela é nosso
veio a ser a sua perda? Ninguém
a pronuncia. Sabemos que só existe
numa página agora branca,
quase transparente. Recebe o sentido
do que se não exprime sequer, e fica
assim: para lhe pertencerem
todas as palavras.
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