Subo ao mais alto do misterioso castelo que está sobre a colina e por lá fico. Também o vento entra e fica, tal como as gaivotas que entram e ficam, e a luz que entra e fica, e o mesmo com a noite. Este é o castelo de quem não tem mais para onde ir. Tanta noite agarrada às paredes, escondida nos recantos. É lá que me abrigo quando nada mais tenho para tapar a minha saudade.
Pelos corredores há rosas secas espalhadas, restos de música, perfumes antigos. Aqui nos escondíamos do mundo no nosso tempo de amantes interditos. Nessa altura, abraçados, espreitávamos o mundo pela janela, eternos, inconscientes.
Esse tempo acabou. Dele resta apenas um fio de voz, estas minhas palavras gastas, secas, gretadas.
Disseste um dia, lembras-te?: os teus lábios são uma rosa húmida. Murchou essa saudosa rosa e em seu lugar há apenas pássaros assustados que gritam e tremem e arrastam as vencidas asas pelo chão de cada vez que sentem a respiração de alguém que passe à porta.
Relembro as brincadeiras junto às fontes, a nudez que mutuamente nos oferecíamos, sexos inocentes, risos inaugurais, e sempre muita luz.
Por vezes tenho medo, medo da solidão, medo de intrusos. Penduro, então, punhais de marfim à cintura. Com eles trespasso o tempo nesta luta absurda em que me debato contra ideias vagas, sonhos perdidos, beijos que há muito se afogaram no mar, palavras de cujo sentido para sempre me perdi.
[Abaixo da casa abandonada sobre o Tejo, um poema de alguém que tem andado arredio, José Agostinho baptista. E, logo a seguir, mais uma brilhante interpretação do violinista Benjamim Schmid]
Edifício abandonado numa das encostas do Ginjal |
Em qualquer lugar, há alguém que caminha
para as fontes,
com um cântaro de argila pura.
Uma mulher,
uma rapariga com perfumes de sândalo, no
misterioso castelo sobre a colina?
Por que brilham os punhais de marfim da
sua cintura?
Não sei.
Quando me beija, há um pássaro espavorido
que deixa um arrepio nos meus lábios secos,
com rugas excessivas.
Mas quem és tu, meu amor, o que fazes aqui,
para onde me levas,
com todas estas rosas que morrem tão
depressa como
as palavras que trocámos num porto de âncoras
impossíveis?
Ruínas interiores. Testemunhos da memória.
ResponderEliminarQuando ainda se consegue recordar.
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