Com estas minhas mãos escrevo. Delas nascem palavras que não chegam a passar pela minha cabeça. Não as filtro, não as controlo. Soltam-se de mim, livres, voadoras. Quanto mais idade tenho, mais livre me sinto, mais livres as minhas mãos, mais livres as minhas palavras.
Estas minhas mãos que deslizam pelo teclado é como se bordassem, é como se pintassem, e eu olho admirada para o que delas nasce, palavras que, entre elas, formam flores, nuvens, pássaros, barcos, sombras. São palavras que não me pertencem, palavras que olham admiradas as cores, a música, as lágrimas que delas se soltam.
O mundo é largo, por vezes assustador, por vezes muito belo e as minhas palavras espreitam-no, ora tímidas, ora em festa. Um céu imenso nasce do rio e avança sobre mim, vem carregado de luz e de palavras.
(Tantas saudades, tantas. Tento iludi-las com palavras e nisso as minhas mãos são exímias, disfarçam tão bem a melancolia.)
É que, sabes, há também o coração e esse não me obedece mesmo. Tantas vezes ele sai do peito para se aninhar na concha das mãos, para que as palavras transportem a sua batida, o seu calor, o seu amor.
(Tantas, tantas saudades. Não sabes, por acaso, como precisa de carinho o meu coração? Vem, volta, fala comigo, diz-me baixinho coisa nenhuma.)
[Debaixo de um céu imenso, quase irreal, está parte de um poema imenso do Poeta imenso, Herberto Helder. A seguir, um duo inesperado, Jorge Palma e Pierre Aderne, e uma canção de amor]
O Tejo |
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascentes da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração.
A melancolia da idade precisa de mãos assim.
ResponderEliminarObrigada, jrd. Os seus comentários minimalistas contêm sempre tanta graça, tanta generosidade... Nem sabe como sorrio mal vejo que há um comentário seu, e isto ainda antes de os ler. Depois, claro, sorrio ainda mais.
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