Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

08 outubro, 2013

um mecanismo simples mas delicado


E, no entanto, é tudo tão simples. A ondulação da escrita, o desenho das letras, a atracção de umas sobre outras formando palavras, o tronco das árvores, a terra em que mergulham, o azul para que crescem, tudo tão simples.

Para quê fingir que tudo é complexo, que há mistérios ocultos nas mitologias, que há gramáticas que desvendam segredos, que há deuses e outros labirintos, que é preciso recuar ao grego e ao latim? Para quê?

Tudo tão simples. O rio que corre vagaroso e azul, uma ponte branca e elegante que une as margens, a sombra, a luz, os passos em volta de quem por aqui respira a maresia e a fragilidade das coisas perenes, a respiração, o sangue a correr dentro dos canais que atravessam o corpo. Tudo tão simples, amor.

Deixa que as tuas pálpebras desçam, deixa que as minhas mãos desçam pelo teu corpo.

Ou dança comigo. 

Ou diz-me ao ouvido coisa nenhuma. Deixa que seja eu a adivinhar os símbolos do teu desejo no desenho dos troncos, deixa.

Depois deixa que te ensine a ler.

Meu amor.



[Abaixo da escrita oriental desenhada pelas árvores, um poema de Manuel Gusmão e quanto melhor o vou conhecendo mais vou gostando dele. A seguir é Verdi que aqui nos aparece, pela mão de duas grandes intérpretes, Kate Aldrich e Adina Aaron.]




A Ponte Vasco da Gama, o Tejo, e árvores no Jardim do Ginjal 



                                       um mecanismo simples mas delicado. O sol
                                       acende as árvores na luz e no equilíbrio dos mundos
                                       e imprime o seu leve gesto na tua retina; em resposta
                                       as árvores, com a sua sombra, desenham, na parede
                                       branca, e sonham, nas tuas pálpebras descendo,

                                       uma escrita oriental, levemente dançando.



['Da linguagem das árvores e do vento', 1, de Manuel Gusmão in 'Pequeno Tratado das Figuras']

2 comentários:

  1. Cara UJM,
    Sempre achei que em toda a delicadeza abunda a simplicidade e, vice-versa, em qualquer acto de simplicidade existe muita delicadeza. Não é por acaso que a doçura e esta última se conjugam numa simbiose delico-doce.

    Singelas e delicadas são as palavras que semeia no texto e reveste de literal magia e de ondas, coloridas por símbolos, que se pronunciam com a delicadeza do olhar.
    Já não me espantam as suas palavras que sentimos simples e delicadas ao som das suas vibrações digitais.
    Gostei. Na realidade o “mecanismo é simples mas delicado”.

    Não poderia esquecer-me dos novos visuais dos seus “recantos”…também gosto. No Ginjal é oportuno, quase uma janela de vida. No outro, o belo e “eterno feminino” de “um jeito manso”.

    Muita saúde e felicidades

    ResponderEliminar
  2. Olá dbo,

    Fico toda contente quando à terça feira recebo a sua 'visita de médico'. E sempre com um cestinho de palavras simpáticas para me oferecer. Muito obrigada.

    Agora não respondo aos comentários no UJM para ficar com mais tempo para a minha escrita (torrencial) mas leio agradada e agradecida todos os comentários.

    Isto de ter que me deitar para me levantar cedo condiciona-me... Se pudesse, ficava a escrever toda a noite e tinha tempo para responder, como gostava, a todos os comentários e ainda me sobrava tempo para me alongar no resto.

    Desejo-lhe também muita saúde, para si e para a família. Felicidades e, uma vez mais, muito obrigada!

    ResponderEliminar