Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

17 outubro, 2013

Por dever ser divagaria naquele seu sem rumo olhar


Não quero nada em particular. Vou andando e pousando o olhar onde calha. E vejo as águas que correm, os pássaros que partem, os veleiros que passeiam, as árvores que ocultam a cidade magnífica.

Caminho errantemente pelo prazer de aspirar a maresia e de sentir o frescor a lavar-me a pele.

Mas reparo, então, que não sou a única.

Escondo-me, escondendo o olhar atrás da lente e vejo alguém que, como eu, caminha sem destino. Os passos são decididos, pisam sem se deter o grande lajedo do terraço sobre o rio.

Penso: leva-me contigo - mas não me perguntes quem sou.

Perco-me nestes devaneios: amores anónimos, margens sem rios, velas sem veleiros, anjos sem malícia, cavaleiros que passam rente ao rio montados em cavalos de espuma.

E então, quando estou nisto, sinto um braço sobre os ombros. Anda. E eu vou. Nada pergunto. É ele, o meu cavaleiro das vastas marés. Reparo no andar: é o mesmo, a mesma passada confiante. Pergunto-lhe: Confias, então, em mim?

Ri-se, Claro, as gaivotas são as aves mais confiáveis do mundo. E são livres que é como eu gosto das mulheres.



[Abaixo dos passos sobre o lajedo, um belo poema de Maria Andresen. Tanto que eu gosto dos (por vezes) insólitos poemas de Maria Andersen, filha de Sophia. Logo a seguir mais um momento de jazz na voz de Cécile Mc Lorin Salvant]


Na Praia das Bicas no Ginjal



                                                 Não propriamente um lugar
                                                 para pousar os olhos, nem
                                                 isso queria ou permitindo lhe seria
                                                 querer pois que antes de mais
                                                 por dever ser divagaria
                                                 naquele seu sem rumo olhar
                                                 de foragida



['Sem lugar' de Maria Andresen in 'Livro das Passagens']


1 comentário:

  1. As gaivotas são livres até lhes cortarem as asas. Já às mulheres, apenas lhe podem cortar o pensamento, que não a raiz.
    Abraço

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