Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

14 outubro, 2013

O poeta morreu, uma folha arde


Subias, Poeta, para do alto melhor veres o mar, as copas das árvores, o voo das aves, a solidão dos homens.

Subias, Poeta, para do alto mais perto do céu de sentires, anjo sem asas, anjo branco e mudo, subias estes degraus para tentares entrar nas nuvens, no coração dos pássaros.

Tantas vezes, pela calada da noite, te esgueiravas por estes degraus acima, subindo, subindo, sabendo que estes degraus não levam a lado nenhum.

Até que um dia, Poeta, caíste no vazio. Contigo tombaram as folhas das árvores, contigo tombaram os sonhos.

Sobram os degraus puídos pelos teus passos cansados e que, aos poucos, vão ficando azuis como o céu onde talvez agora voes livre e cheio de futuro ou como as águas do rio onde talvez tenhas mergulhado com os bolsos pesados de amargura.

Ah, Poeta porque te foste?



[Abaixo da escada do Jardim do Ginjal, um poema de Abel Neves que nos leva com ele escada acima. A seguir, uma bela canção. É Cecile McLorin Salvant que aqui nos traz um momento de jazz.]



Escada que não leva a lado nenhum no Jardim do Ginjal



                                               vêem-se os degraus que subiu
                                               nenhum abismo aos lados nem acima
                                               só o polido calcário do desgaste
                                               o poeta morreu       uma folha arde
                                               bordada com as últimas palavras
                                               é um branco sujo de caminhar na neve
                                               são os degraus



[Poema da pag.31 de Abel Neves in Quasi Stellar]

2 comentários:

  1. Cara UJM,
    Poeta que não sobe nas asas de Ícaro, jamais poderá cantar o sonho da vastidão universal, tactear a raiz dos eflúvios astrais, beijar o cerúleo manto do seu terráqueo lar.
    Pode o Poeta cair, mas não se desvanecerá a grandeza dos seus sonhos.
    Pode o Poeta morrer, mas restará para sempre no seu berço de liberdade, donde partiu nas asas de um infinito sonho e onde regressou, sem a ambição de Ícaro, mas com a sabedoria dos deuses.
    Foi-se o Poeta, mas a Terra, prenhe da sua poesia, exalará o seu estro.

    Saúde e felicidades

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  2. Caro dbo,

    Fiquei emocionada ao ler as suas palavras. É tocante ler estas palavras escritas por alguém que não conheço.

    Muito obrigada. Que bem que me está a saber lê-las. Li o seu comentário junto a um texto meu, um texto em que exprimi a minha revolta, a minha vontade de lutar e o seu comentário contém a mesma revolta e agora chego aqui e é esta paz. Que bom.

    Muita saúde e felicidade também para si e para a sua família. E tenhamos esperança. Melhores dias virão.

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