Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

20 junho, 2013

rosa esquerda, plantei eu num antigo poema virgem


Um poeta deu-me, um dia, uma rosa e eu aconcheguei-a no meu regaço. Estava dentro de um livro e era feita de palavras. Depois ele disse que era uma rosa brava e que eu a deveria guardar no meu ventre e eu assim fiz. Depois, quando do meu ventre saía sangue, eu pensava que ele diria que eram as pétalas vermelhas da rosa. Eu gostava de pensar que assim era. Um sangue fértil e perfumado, um ventre aconchegado, florido e puro.

As mulheres têm uma assombrada roseira, disse ele. As mulheres pensam como uma impensada roseira que pensa rosas. Pensam de espinho para espinho, param de nó em  nó. As mulheres dão folhas, recebem um orvalho inocente. Depois sua boca abre-se. 

E a minha boca abria-se de espanto e desejo - porque as mulheres são assim, inocentes fêmeas. E a boca do meu corpo também, porque as mulheres são assim, sequiosas e maternais. 

A minha roseira brava está dentro de mim, ninguém ma pode roubar. Talvez esteja no meu útero. Ou talvez seja a minha alma, única e simples. Que sei eu do meu corpo? Nada. E, da alma, ainda menos. 

A rosa esquerda do Poeta foi-lhe levada mas ele diz que esse seu pequeno achado florirá para sempre dentro dele pois, fora dele, ela não existe. Levaram a parte exterior da rosa mas a parte interior, feita de carne e sangue, essa ficou-lhe nas mãos suaves, no peito amplo, generoso, floral. E das suas mãos nascem palavras floridas como rosas, direitas e belas.



[Abaixo da flor do cardo que mostra a sua espampanante beleza no meio das roas bravas, parte de um belo poema de Herberto Helder. A seguir prossigo com a descoberta de José Valente]



Não é uma rosa mas estava entre rosas na barreira do Ginjal,
talvez fosse afinal a rosa esquerda de Herberto Helder


                                                (...)
                                                rosa esquerda, plantei eu num antigo poema virgem,
                                                e logo ma roubaram,
                                                logo me perderam o pequeno achado,
                                                mas ninguém me rouba a alma,
                                                roubam-me um erro apenas que acertava só comigo,
                                                um umbigo, um nó,
                                                um nome que só em mim era floral e único



                                                [excerto de poema de Herberto Helder in Servidões]

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