Não deveriam ser ditas palavras quando se vêem dois corpos aspirando o amor, quando o azul ainda é muito azul, quando as árvores se fazem cortina, quando a intimidade se resguarda dentro do céu, por detrás dos ramos verdes, suaves, dedos cúmplices.
E as vozes ciciadas que se ouvem talvez sejam dos ternos amantes, talvez sejam da aragem do rio nas ramagens, talvez sejam os suaves anjos que sempre vigiam os que muito se amam. Abraçam-se com ternura e paixão e é deles toda a vida que têm pela frente, todos os caminhos que têm que fazer, caminhando.
Rodeia estes dois que se amam um calor que não vem do sol, que o ar está fresco, da maresia húmida e fria não é: é dos seus corpos que vem este calor cheio de vida e esperança.
Podiam estar deitados na relva que o sexo por vezes assim o pede mas não, voaram pelos céus, e vieram para aqui, pousaram nesta árvore, e aqui estão junto aos pássaros, debicando-se, miminhos na voz e nos gestos, na aventura da descoberta.
Que a sorte lhes seja um vento de feição, que a vida lhes seja um leito suave como um rio que corre docemente para o mar.
Que a sorte lhes seja um vento de feição, que a vida lhes seja um leito suave como um rio que corre docemente para o mar.
[Abaixo do casal de pombinhos, mais um poema de Jorge de Sena, um poeta que tão bem cantou o amor. A seguir um novo compositor e intérprete, certamente também uma boa descoberta: José Valente]
Amar junto às entranhas da água, no Ginjal |
para o centenário de Teixeira de Pascoaes
Vento de primavera que assobia
nas árvores e esquinas recortadas
de azul tão pálido no céu varrido,
ao sol sacode as folhas e os cabelos.
O namorado par se alonga em relva
de sexo verde aceso na friagem
que os corpos une em paralela forma.
E no calor menos da luz que seu
se agita imóvel no ranger do vento.
Assim se tocam ramos como dedos
e as vozes se penetram ciciadas.
Não entardece ainda. Está-se o instante
em que declina o sol sem descair-se
ao leito fluido das entranhas de água.
['Entranhas de água' de Jorge de Sena in 'Antologia Poética']
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porque o momento é tão intenso
que a cidade, o rio, a passarada
a relva o vento,o por do sol
tudo afinal fica suspenso
desse imenso beijo
ofegante e belo
na hora inexplicável da "chegada"...
["não entardece ainda" de 'Era uma Vez' num comentário abaixo]
"não entardece ainda"
ResponderEliminarporque o momento é tão intenso
que a cidade, o rio, a passarada
a relva o vento,o por do sol
tudo afinal fica suspenso
desse imenso beijo
ofegante e belo
na hora inexplicável da "chegada"...
Olá Erinha,
ResponderEliminarAssim é, de facto: não há nada nem ninguém por perto quando um casal se beija, apaixonado. Como se estivessem sozinhos no mundo. E que quem passa, passe de mansinho para não perturbar.
Muito obrigada pelo poema: já lá está em cima, como lhe é devido. obrigada.
beijinhos!