Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

16 junho, 2013

O namorado par se alonga em relva de sexo verde aceso na friagem


Não deveriam ser ditas palavras quando se vêem dois corpos aspirando o amor, quando o azul ainda é muito azul, quando as árvores se fazem cortina, quando a intimidade se resguarda dentro do céu, por detrás dos ramos verdes, suaves, dedos cúmplices. 

E as vozes ciciadas que se ouvem talvez sejam dos ternos amantes, talvez sejam da aragem do rio nas ramagens, talvez sejam os suaves anjos que sempre vigiam os que muito se amam. Abraçam-se com ternura e paixão e é deles toda a vida que têm pela frente, todos os caminhos que têm que fazer, caminhando.

Rodeia estes dois que se amam um calor que não vem do sol, que o ar está fresco, da maresia húmida e fria não é: é dos seus corpos que vem este calor cheio de vida e esperança.

Podiam estar deitados na relva que o sexo por vezes assim o pede mas não, voaram pelos céus, e vieram para aqui, pousaram nesta árvore, e aqui estão junto aos pássaros, debicando-se, miminhos na voz e nos gestos, na aventura da descoberta.

Que a sorte lhes seja um vento de feição, que a vida lhes seja um leito suave como um rio que corre docemente para o mar.



[Abaixo do casal de pombinhos, mais um poema de Jorge de Sena, um poeta que tão bem cantou o amor. A seguir um novo compositor e intérprete, certamente também uma boa descoberta: José Valente]


Amar junto às entranhas da água, no Ginjal



para o centenário de Teixeira de Pascoaes


                                             Vento de primavera que assobia
                                              nas árvores e esquinas recortadas
                                              de azul tão pálido no céu varrido,
                                              ao sol sacode as folhas e os cabelos.

                                              O namorado par se alonga em relva
                                              de sexo verde aceso na friagem
                                              que os corpos une em paralela forma.
                                              E no calor menos da luz que seu

                                              se agita imóvel no ranger do vento.
                                              Assim se tocam ramos como dedos
                                              e as vozes se penetram ciciadas.

                                              Não entardece ainda. Está-se o instante
                                              em que declina o sol sem descair-se
                                              ao leito fluido das entranhas de água.


                                             ['Entranhas de água' de Jorge de Sena in 'Antologia Poética']

**


porque o momento é tão intenso
que a cidade, o rio, a passarada
a relva o vento,o por do sol 
tudo afinal fica suspenso
desse imenso beijo

ofegante e belo
na hora inexplicável da "chegada"...



["não entardece ainda" de 'Era uma Vez' num comentário abaixo]

2 comentários:

  1. ERA UMA VEZ17 junho, 2013

    "não entardece ainda"

    porque o momento é tão intenso
    que a cidade, o rio, a passarada
    a relva o vento,o por do sol
    tudo afinal fica suspenso
    desse imenso beijo

    ofegante e belo
    na hora inexplicável da "chegada"...

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  2. Olá Erinha,

    Assim é, de facto: não há nada nem ninguém por perto quando um casal se beija, apaixonado. Como se estivessem sozinhos no mundo. E que quem passa, passe de mansinho para não perturbar.

    Muito obrigada pelo poema: já lá está em cima, como lhe é devido. obrigada.

    beijinhos!

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