Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

14 junho, 2013

Alma - deixa voar ao teu redor a manhã


Não sei o que é a minha alma, onde está. 

Será o pequeno grão que se esconde algures no meu peito e que me faz pensar, sonhar, chorar, rir?

Ou será uma suave mas insubmissa nervura dentro da minha cabeça que me faz arrepiar com uma palavra antevista, imaginar vastos voos cruzando o horizonte, desejar o afago ou um beijo ou o amor feito carne e desejo?

Não sei.

Sei tão pouco. À medida que o tempo avança, eu vou deixando cair as certezas que me amparavam. Aproximo-me da minha infância, querendo sempre saber mais, querendo descobrir o inesperado, o que se esconde por trás do que óbvio e fácil. 

Olho tudo com o espanto da primeira vez, com o deslumbramento de quem ajoelha perante uma grande obra de arte.

Um pequeno pássaro rente ao rio. Brinca, salta, saltita, solta pequenos voos, olha o rio, olha para mim, volta a brincar.

Como explicar o meu encantamento perante esta pequena ave, tão alegre? Como explicar que quase a invejo, tão inocente, tão despreocupada, tão confiante? 

Um bando de aves de mau agoiro que paira sobre pessoas ameaçadas, felizmente ainda não se lembrou de fazer tombar as pequenas aves. Elas, tão inocentes e felizes, não sabem a sorte que têm.

Olho-o e fotografo-a e acompanho-a, maravilhada, silenciosa (não vá ela assustar-se). Quanta liberdade a desta pequena ave, quanta. 

Depois penso: é a minha alma que assim se reage? Ou esta pequena ave é a minha alma que por vezes se evade da prisão do meu corpo e brinca e voa livre à minha frente, desafiando-me?



[Abaixo do passarinho brincalhão, um pequeno e belo poema de João Miguel Fernandes Jorge. Logo a seguir, um maravilhoso momento musical, Bach em modo jazz, uma vez mais pelo trio Jacques Loussier]


Pequena ave junto ao Tejo, no Ginjal



                                                      Alma -
                                                               deixa voar ao teu redor
                                                      a manhã
                                                      onde as aves fazem ninho
                                                      com a sua voz de vento e de névoa

                                                      ela mesmo, a manhã
                                                      deixa-a ser tua alma



[Poema XXXII de João Miguel Fernandes Jorge in Oferenda, belo livro ilustrado com pinturas de Jorge Pinheiro]



1 comentário:

  1. Partilhar o encantamento das aves inocentes e alertar para o perigo das aves de rapina .

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