Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

25 junho, 2013

ainda estou à espera que apareças para que tudo se apague à tua minha volta


Recebi uma mensagem, hoje apareço por lá. A mensagem era anónima e o conteúdo pouco explícito. E, no entanto, nem por um instante duvidei que fosse tua. Preciso de confessar que o meu coração disparou? Inquieto, surpreso, fiquei encostado à parede, ao sol, e tanto calor que estava, pensando. Apareces? Onde? A que horas? Pensando, e tanto, tanto nervosismo: como estarás? Será que cortaste o cabelo e me vais aparecer de cabelo curo, espetado, queimada pelo sol, outra? Ou que me vais aparecer uma senhora, bem vestida, distante? Ah batia-me o coração de medo, tanto medo, e se os nossos corpos já não se reconhecem? E se as palavras e o afecto se esqueceram de nós?

Dizia alto, como se zangado, julgas que é assim? Onde queres tu que eu te espere? E quem te diz que ainda te espero? Mas, dentro de mim, eu sabia a que lugar te estavas a referir, a que hora do dia esperarias que eu te aguardasse. Mas quanta insegurança: e se não era? E se, não era ali, mas num outro lugar, numa outra hora? Aparecias e eu não estava lá? Tanto tempo a pensar em ti, esperando que regresses, que expliques porque partiste, que me digas se me queres ou se me tornei descartável, querendo ver-te arrependida, chorando de saudades, sonhando que te ias atirar nos meus braços, desculpa, desculpa, pensei que podia existir sem ti mas não posso, desculpa-me, receber-me de volta. E eu, sem fazer perguntas, recebendo-te num longo abraço, feliz por te ter comigo que isso me basta. Romântico. Patético.

E agora sem saber onde te esperar.

Não fui trabalhar. Logo de manhã para lá. Sabia que virias pela tardinha mas podias vir logo de manhã.  Inseguro, eu, vê tu o que me fizeste. Todo o dia a olhar para todos os lados, a tentar descobrir-te num cacilheiro, ou talvez venhas a pé, ou, quem sabe?, talvez desças dos céus. Todo o dia. Todo o dia a andar de um lado para o outro, uma inquietação, uma inquietação, e nada. Percorri mil vezes cada cais que entra pelo rio, percorri os caminhos todos, entrei em cada ruína, escutei cada som, podias estar nalgum beiral e chamar por mim, podias estar num qualquer quarto de uma qualquer casa sem janelas, sem telhado, podias vir num veleiro, subir as escadas da muralha e sair do fundo do mar.

Nada. Já é tarde e ainda não apareceste. Porque te demoras? Porque te demoras tanto? Não saberás que me despedaças? Vem. Vem.

Mas talvez ainda seja cedo, o sol ainda não se pôs, talvez venhas quando o sol mergulhar no rio. Talvez venhas quando eu estiver trémulo, vencido, cheio de medo e solidão, talvez desças, intangível e bela, sobre o meu corpo rendido quando me deitar sobre as águas.

Fazes-me sofrer. O meu coração está frágil, cansado. Vem, vem, vem. Desculpa-me.



[Gosto do poeta aqui abaixo, um poeta que descobri recentemente, João Vasco Coelho. A seguir Gustavo Dudamel traz-nos uma outra sonoridade porque é de músicas assim que o momento sente a falta]


No Ginjal, percorrendo os caminhos do Tejo - Lisboa do outro lado



                                         ainda estou à espera que apareças
                                         para que tudo se apague à tua minha volta
                                         e a cabeça se cale enfim

                                         ando pálido mal escrito
                                         no silêncio das ruínas

                                         porque te demoras? penso tanto

                                         tenho o céu encostado no ouvido
                                         desde que me disseste

                                         que ias aparecer



                                        ['Reconciliação' de João Vasco Coelho in 'Na ordem do dia']



4 comentários:

  1. Tão belo, tão verdadeiro, tão real....mas inatingível...

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    1. Olá,

      Muito obrigada.

      Este blogue (não o meu outro) tem estado de férias. Só consigo escrever aqui quando tenho um mínimo de concentração e, com as férias, alteram-se-me todas as rotinas e fico 'sem ambiente' para me dedicar a ele. A ver se no domingo ou na 2ª feira recomeço.

      Obriga uma vez mais!

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  2. Muito bonito. Caminho muitas vezes neste local e não fica a muita distância da minha casa. Sítio lindo, onde se pode apanhar a brisa fresca do rio, olhar a linda Lisboa com a sua luminosidade, e depois, depois, chegar ao fim, tomar descansadamente uma bebida ou até mesmo uma refeição e se ainda quisermos, subimos no elevador e vamos ver a paisagem que é completamente diferente vista lá de cima.
    Talvez e céu esteja aí mesmo de propósito e um dia, ela apareça. Muito obrigada por este momento

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  3. Olá Manuela Beatriz,

    Gostei que tivesse gostado já que conhece bem o local. Eu acho este local mágico de tão lindo que é. A vista, a proximidade do rio que já se aproxima do oceano, todo o ambiente de ruínas, de pescadores, de barcos que passam, tudo isto é repousante para a vista e para a alma.

    Por muito que aqui ande, acho-lhe sempre encanto.

    Conforme expliquei acima, tenho estado de férias e, por isso, sem concentração para escrever aqui, apenas tenho escrito no Um Jeito Manso. A ver se para a semana o retomo.

    Volte sempre. E obrigada uma vez mais, quer pela visita, quer pelas palavras!

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