Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

19 junho, 2013

a confissão das pedras é oração


Entro. Se vejo um mosteiro sinto necessidade de entrar. E, se o mosteiro em vez de santos tem memórias e se em vez de ouro tem pedras, ainda mais eu me comovo.

Entro. Vou em silêncio, ando na direcção da luz. Passo os claustros e tu vens comigo, paro e tu paras junto a mim, olho o céu e a luz e tu esperas por mim. Sabes que estou a rezar. Não rezo a deuses que não conheço: aqui entre as ruínas que me abrigam como uma pele sobre o meu corpo nu, eu rezo. Agradeço a luz que me ilumina, agradeço a tua presença, agradeço os caminhos que juntos haveremos de percorrer, agradeço o teu olhar compreensivo e doce, agradeço a esperança em dias melhores. Nada dizes mas talvez em silêncio rezes também. 

As paredes parecem desfazer-se, carne macia, uma seda íntima e eu rezo e tu esperas por mim e eu desejo que rezes comigo, por isso o digo mais que uma vez, reza comigo, reza por mim, a luz entra e eu hesito entre sair da sombra ou avançar para dentro da luz e, decida o que decidir, tu acompanhar-me-ás e eu digo-o porque quero que me acompanhes, vem comigo, vem, vamos percorrer juntos todos os caminhos.

São assim as minhas orações, sabes?, por isso não as posso dizer para que as ouças, não pareceriam orações a sério e são, são mesmo a sério.



[Abaixo do casal que entrou na ruína do Ginjal, um poema de um outro poeta que desconhecia, Abel Neves, mais uma boa surpresa. E porque de surpresa em surpresa vou percorrendo estes meus caminhos no Ginjal, a seguir tenho mais uma música muito especial, tal como especial é a interpretação do compositor, José Valente. Bem haja José Valente!]


Num espaço em ruínas no Ginjal



                                           entrar no mosteiro a qualquer hora
                                           ir adiante no recolhimento     na ruína
                                           sem livro nem pressa
                                           a confissão das pedras é oração
                                           no claustro há o suspiro do lagarto
                                           mas isso é no claustro     nas pedras ao largo
                                           íntimas do musgo



                                           [Poema de Abel Neves in Quasi Stellar]


1 comentário:

  1. Pelas pedras nos vamos no diálogo com um tempo intemporal e sentimo-nos bem.

    Abraço

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