Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

19 maio, 2013

E se dissesses o meu nome eu morreria de amor


Muito vento. Frio. Chuva. Percorro os caminhos rente ao rio com um tremor no corpo. Não tenho onde me abrigar. As ondas batem com força contra a muralha do cais. As gaivotas rasgam os céus soltando gritos desesperados. Ao longe, um pequeno veleiro dobra-se, quase se deita sobre as águas revoltas.

Vou sozinha. 

A noite tomba sobre o rio, as paredes escurecem. As janelas há muito não existem. O frio, o vento, a escuridão entra nas casas abandonadas. Pudesse eu ter onde me abrigar...

E, então, ao passar pela rua desabrigada e infeliz, vejo uma parede derrubada. Espreito. Um templo. 

Disse que ia sozinha mas não é verdade. Tu vais ao meu lado, em silêncio, distante. O teu braço sobre os meus ombros poderia abrigar-me. Mas não o fazes. Podia pedir-te amparo mas não o faço.

Olho o rio. Já não vejo o veleiro. O vento levou-o para longe. Ou foi engolido pelas águas. Ou foi ceifado pelo vento, talvez o vento o tenha levado pelos ares, talvez ande por aí a voar, perdido.

Então, cheia de frio, molhada, entro no templo, um templo muito belo, habitado apenas pelos deuses.

Ao fundo, vejo uma luz. Não sei de onde vem, talvez do lado mais luminoso do céu. O vento deixa de se ouvir, a chuva deixa de cair. Apenas silêncio e luz. E eu e a minha solidão assustada.

Mas tu vens atrás de mim, em silêncio também. E, então, aproximas-te, abraças-me, dizes o meu nome. E eu quase morro de amor por ti.



[Abaixo do templo do Ginjal, mais um poema de Maria do Rosário Pedreira. E, a seguir, volto à música do Mali. Há descobertas felizes. Hoje tenho Bassekou Kouyate com uma música muito recente - e muito boa.]


Ruínas no Ginjal, hoje, num dia em que o vento frio e a chuva tornavam este local particularmente desabrigado



                                                   Esta noite o vento ceifa os bosques e
                                                   uma raiva sacode a terra. Se a voz
                                                   do mar chamasse pelas velas, os estreitos
                                                   aguardariam um naufrágio. E se dissesses
                                                   o meu nome eu morreria de amor.

                                                   Devo, por isso, afastar-me de ti ― não
                                                   por ter medo de morrer (que é de já não
                                                   o ter que tenho medo), mas porque a chuva
                                                   que devora as esquinas é a única canção
                                                   que se ouve esta noite sobre o teu silêncio.



['Esta noite o vento' de Maria do Rosário Pedreira in 'Poesia reunida']


Sem comentários:

Enviar um comentário