Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

09 maio, 2013

Chego enfim à líquida presença do coração sonhado


Ando pela cidade, percorro as estreitas ruas, piso as pedras da calçada, sigo o teu rasto.

Becos, vielas, muralhas, pátios e eu procurando, aspirando o ar, para ver se encontro o teu perfume, o meu nome escrito numa parede, o meu coração sangrando por ti, vestígios do teu amor por mim. Não, nada.

Mais à frente, um banco de jardim, talvez lá estejas. Mas não. Olho em volta. Nada. 

Mas eis que, de repente, começo a ver que o céu se alarga. E vejo, à frente, flores do campo, inocentes como meninas numa roda. E as meninas louras dançam ao vento e delas vem um perfume que se mistura com a maresia que sobe do rio muito azul que corre lá em baixo.

Sorrio. É então aqui que estarás, menina alegre, noiva coroada de flores, no meio das espigas neste dia da ascenção, é aqui que estás, envolta em luz.

Apresso o passo, chamo por ti. Mas não me respondes.

Olho. Levanto o meu olhar na direcção da luz doce, perfumada, suave.

E, então, vejo-te, voando sobre o rio, branca, longas asas, aberta como uma bandeira de alegria. Vens, voas na minha direcção, deslizas, e sorris, rendida, feliz.

Sonho? É o meu coração que sonha?



[Abaixo das flores do campo voando sobre o rio, poderão ver mais um belo poema de um Poeta que aqui tem assento especial, Pedro Tamen. Logo abaixo, Ali Farka Touré chega com o seu encantamento luminoso. É Dia de Espiga.]


Na Boca do Vento sobre o Ginjal, de frente para Lisboa, o Tejo pelo meio



                                                 Entro na floresta, sigo por entre
                                                 os ramos, vou pelos caminhos
                                                 que tu própria me indicas,
                                                 e chego enfim à líquida presença
                                                 do coração sonhado:
                                                                                      rendo-me
                                                 na tua rendição, e a bandeira
                                                 é branca de alegria.



                                                 [Poema 12 de Pedro Tamen in Rua de Nenhures]

***



Escrever
O teu rosto
A sombra exacta dos teus seios
A dimensão líquida da tua pele
Na planície branca
Do meu poema.
Mar de palavras
Sempre desfeito 
Pelo ruído desajeitado
Da minha sede.



[Poema de Joaquim Castilho em comentário aqui abaixo]


2 comentários:

  1. JOAQUIM CASTILHO (QUIM)10 maio, 2013

    Olá UJM!

    Prometo-lhe que vou parar para não monopolizar os comentários com a minha versalhada!

    Mas os seus belos textos são uma "provocação" !

    Para despedida:

    Escrever
    O teu rosto
    A sombra exacta dos teus seios
    A dimensão líquida da tua pele
    Na planície branca
    Do meu poema.
    Mar de palavras
    Sempre desfeito
    Pelo ruído desajeitado
    Da minha sede.


    Um abraço

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    Respostas
    1. Joaquim,

      Não me diga uma coisas dessas. Se há surpresas meus que eu tenha, são poemas escritos pelos Leitores inspirados pelo que escrevo. Os seus captam sempre o espírito, é como se as minhas palavras se vissem ao espelho e se achassem mais bonitas.

      Por isso, por favor, não deixe de escrever por qualquer outro motivo que não a sua falta de vontade para o fazer.

      Os seus poemas - já sabe - são sempre aqui muito bem vindos. Ou melhor, são muito estimados.

      Muito obrigada pelo poema de hoje que espero bem que NÃO seja o último...

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