Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

11 abril, 2013

Tu trazes até mim a tua longa mão


O teu braço alonga-se e abraça-me pela cintura. Retribuo: o meu braço alonga-se também, a minha mão aconchega-se no bolso das tuas calças. Seguimos rente ao rio, ao longo do rio, como se fossemos entrar na água, caminhar até à linha do horizonte.

Quem nos veja caminhar assim, como se andássemos abraçados, dir-nos-ia apaixonados, envoltos numa suave luz azul.

Vamos em silêncio. Não há pontes entre nós e nem as palavras tentam alongar-se para tecerem laços que nos unam. Há muito que o silêncio ocupou o espaço antes ocupado pela intimidade e pelo amor.

No entanto, continuamos a caminhar, unidos, levados pela ilusão de ainda sermos um casal. Mas não somos. Por vezes ainda me dizes que na tua mão que me afaga está um gesto do coração, por vezes ainda sorrio para fazer de conta que, também eu, coloco o meu coração no olhar com que pareço despir-te. Reminiscências de outros tempos. Apenas.

A verdade é esta: vamos sozinhos, uma solidão disfarçada de enamoramento, uma mulher sozinha abraçada a um homem sozinho, sem palavras, sem um bater conjunto de corações.

Digo-te, a partir de agora és apenas meu irmão. Não dizes nada. Insisto, ouviste? Nada mais! Irmão! Ouviste?

Não dizes nada.

Insisto, não ouves? Acabou! Podemos ficar amigos, irmãos, mas mais nada e que isto fique muito claro. Ouviste?

Viras-te então para mim, calmo, calmo como sempre. Nada dizes. Parado, à minha frente, seguras a minha cara entre as tuas mãos. E dizes, sabes qual é o teu mal, não sabes?

Espero. Agora sou eu que não digo nada.

Continuas, não dormes, andas cheia de sono e eu que te ature. A ver se hoje te deitas mais cedo. Esse mau humor já não se atura. E agora fecha os olhos, dorme, dorme mesmo de pé, dorme que é para não dares pelo beijo que o teu irmão te vai dar.

Obedeço, fecho os olhos, deixo-me beijar e nem sei se é incesto, se é sonho, se é apenas mais um dia na vida de um casal.



[Ruy Belo, o Homem de Palavra(s) juntou-se hoje a nós, e já é a 11ª vez que o faz - e é sempre muito bem vindo. A seguir a ele, Uri Caine, numa fantástica onda jazística, tem mais uma bela interpretação ao piano]


No passeio do Ginjal, bem junto ao Tejo
(desejo uma vida longa, feliz e muito enamorada a este casal)




                                           Tu trazes até mim a tua longa mão
                                           estende-la como uma ponte entre nós dois inverno e verão
                                           garantes que ela tem por trás o coração
                                           e no entanto só te chamo irmão
                                           Cada um de nós é como antes uma solidão
                                           e nada significa a nossa saudação


                                            ['Inverno e Verão' de Ruy Belo in 'Homem de Palavra[s]]

/\



Acomodaste-me
num cantinho resguardado
do teu peito
Aqueço-te
Aqueço 
a superfície rugosa dos teus dias
Sinto-me útil
como um bálsamo,
um manipulado farmacêutico
Chamas-me 
Chamas-lhe 
amor?


[Poema de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]


2 comentários:

  1. Olá,

    Não se deve deixar um hot Jesus assim tão sózinho, tão triste, tão calmo...
    Há que dormir mais e deixar de ser rabujenta...

    Parece que a primavera finalmente vai chegar e fazer a tal ponte entre inverno e verão.

    Um beijinho e um óptimo fds!

    Antonieta

    ps: Tenho estado gripada, por isso não tenho comentado, mas li tudo e até me fartei de rir com os macacos, cães, palhaços, etc. Sinto que contribuí largamente para o número de visitas...
    Muito obrigada por tudo!
    Talvez seja melhor este p.s. não fazer parte do comentário. :)
    Fica ao seu critério.

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  2. JOAQUIM CASTILHO (QUIM)13 abril, 2013

    Olá UJM!

    Acomodaste-me
    Num cantinho resguardado
    Do teu peito
    Aqueço-te
    Aqueço
    A superfície rugosa dos teus dias
    Sinto-me útil
    Como um bálsamo,
    Um manipulado farmacêutico
    Chamas-me
    Chamas-lhe
    Amor?


    um abraço

    ResponderEliminar