A luz ainda é branca, meu amor, e a serra desenha-se ao fundo, suave, esbatida e não sei se é ela, se é a sua evocação.
(Também não sei se é contigo, amor, que falo se é com a memória de ti que vive dentro de mim. Mas que importa isso?)
O rio, amor, está muito suave, azul muito claro, quase cor de prata, talvez algum amigo nosso o tenha assim pintado. Hoje está todo pintalgado com pequenos barcos de brincar, velas umas brancas, outras inocentemente coloridas. Ias gostar, tenho a certeza. O teu sorriso triste esbater-se-ia perante um desenho tão deliciosamente infantil.
E os monumentos estão em silêncio, pequenos, imortais, exangues. Mas os ciprestes estão bem vivos, sempervirens, pontuam com elegância o desenho aqui à minha frente. Sempre gostaste de ciprestes, lembro-me bem.
Contemplo esta cidade e este rio que tanto amamos, esta luz branca e silenciosa. Nada mudou, amor. Acredita. Está tudo igualmente belo.
(Falo no presente como se ainda aqui estivesses, reparaste? Sempre assim será, podes ter a certeza, amor)
Mas a verdade, amor, é que não estás. Não te tenho aqui comigo para poder passar o braço pelos ombros, para te puxar a mim, para ver os teus longos cabelos ondulando ao vento. Voas algures por aqui, sei. Voas sobre o rio, sobre a cidade, sobre mim, entre a luz branca e suave que me cobre.
Falar em esperança é que não posso, amor. Olhávamos o horizonte e os nossos sonhos ali se aninhavam, num futuro que imaginávamos. Agora, amor, esse futuro não existe. Não me perguntes, amor, qual o exacto momento em que isso aconteceu. Não sei. Talvez que quando olhássemos o silêncio, estivéssemos já, sem o saber, a assistir a uma mudança terrível, silenciosa, larvar, medonha.
Mas não tenhas medo que eu também não. Continua aqui junto a mim, dentro de mim, voa solta pelos largos espaços e depois vem aninhar-te dentro do meu peito: ajuda-me a acreditar, ajuda-me a ter esperança, amor, ajuda-me a não ter medo. Preciso tanto de ti. Não me deixes cair no silêncio, não deixes, amor, não deixes. Não me deixes.
[Abaixo do poema de Gastão Cruz e da esperança segundo S. Paulo, visita hoje o Ginjal pela primeira vez um grande e versátil intérprete, Uri Caine. Vou gostar de o ter por cá.]
Os Jerónimos à direita, o Centro Cultural de Belém ao centro, o Padrão dos Descobrimentos à esquerda, e o Tejo enfeitado de pequenos veleiros |
Respondo com palavras ao silêncio,
não sei se são respostas ou se apenas
pergunto o mesmo respondendo
o que nunca mudou ou mudou sempre:
se realmente existiu essa espera de dias
a que chamar queríamos esperança;
acreditámos que não mudaria
o grito que era apenas
afinal o silêncio da mudança
[Poema 32 de Gastão Cruz in Fogo]
Placa no Jardim das Oliveiras do Santuário do Cristo Rei |
ResponderEliminarBoa noite UJM
Belo texto. Soberbo solilóquio. Recordações da pessoa amada, presente porque são vivos os momentos que passaram juntos e, ao mesmo tempo, ausente fisicamente. A terra amada, sabemos que é Lisboa, o rio, sabemos que é o Tejo, espaços vistos e admirados por ambos, a ligá-los para sempre.
Versos de Gastão Cruz, Foto, Pensamento de S.Paulo, tudo completamente integrado.
Gostei muito
Bjs
Olinda