Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

11 abril, 2013

Nenhuma brisa se levanta já para a podermos imaginar


Havia árvores na beira do rio, canaviais verdes e ondulantes, um vento que assobiava sibilando de mansinho, e havia um rio suave, límpido, que avançava inocente, sem maldade. E os pássaros ali faziam ninho, brincavam, felizes, cantando dia e noite.

E o homem e a mulher que se amavam na beira do rio, à sombra das árvores, que julgavam que a paz era um bem adquirido, eterno, assustam-se agora quando vêem a devastação, quando vêem o rio arrancando, inclemente, as árvores, as canas, as flores. Os ninhos caíram, o rio é uma mancha de terra, e há uma desolação que avança pelo coração de todos quantos antes pensavam que viviam em paz.

As árvores que faziam sombra, são agora troncos decepados, mortos, as canas verdes que cantavam são corpos cortados, tristes. Assim vai este rio. Não se vêem algas macias, não se vê a luz a azular as águas do rio, não há gaivotas a deslizar como cisnes. 

O homem e o mulher sentem-se nus, sem tecto, sem chão. Temem o rio, temem o vento, temem até a aragem, temem que não mais nasçam flores, que não regressem os acossados pássaros. Sentem-se desprotegidos, inseguros, crianças indefesas. Não há sombras a que se abriguem, não há risos no ar, e um silêncio pesado, ameaçador, avança como uma sombra sem rosto. 

E sentem os corpos frios, quase sem emoção, estéreis. 

A esperança parece que teima em ser arrancada pela raiz, o medo é uma mancha larvar que agarra os corpos com garras imundas. 

O homem e a mulher fecham os olhos, fingem que é noite, tentam dormir, tentam que sonhos maus não os assustem durante esta longa noite. E tentam esquecer tudo, até que um dia se amaram.

Assim vão estes infelizes dias de chumbo que a história esquecerá.



[Abaixo do poema do Embaixador Tim Tim que escreve a partir do Tibete, Poeta muito apreciado aqui no Ginjal, temos mais uma grande interpretação de Uri Caine]


No Ginjal, mancha de ramos e canas e folhas arrastados Tejo acima



                                          Quando o deserto começa a ser por dentro,
                                          alastra a mancha de secura sobre o que chamámos coração
                                          e só esperamos que a noite chegue, pois nenhuma brisa
                                          se levanta já para a podermos imaginar.



                                         ['Ainda o deserto' de Luís Filipe Castro Mendes in Lendas da Índia]


Uma das várias árvores decepadas, avistada a partir do Ginjal.
Lisboa ao fundo  permanece luminosa

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