Fecho os olhos. Estou na cama, deitado, braços estendidos ao longo do corpo. Nenhuma luz. Silêncio, escuridão, a cama fria.
Começo, então, a recordar o dia.
Atravessei o rio. O Tejo bravio, arisco, o ar frio, chuva e vento. Mas eis que, a meio da travessia, a chuva parou e o sol iluminou as duas margens. O céu quase azul, o rio quase azul. Um bom sinal, que bom.
O coração inquieta-se, não o confesso a ti, mas, agora, aqui deitado, confesso às sombras.
O cacilheiro encosta, salta, inquieto como eu, range, é o rio intranquilo. Intranquilo eu também. Saio. Vou na tua direcção. Junto ao farol, o nosso destino clandestino.
É para lá que me dirijo, cabeça baixa, nervoso como um adolescente.
Quando ganho coragem e olho, vejo a luz que vem de lá: és tu. Dos teus olhos iluminados e belos solta-se a alegria, bem o vejo. Meu amor. Abraças-me, abraço-te, meu amor.
Dizes-me. Que saudades. Digo-te. Vem comigo. Mas não vens, ainda não podes, eu sei. Eu espero. Sentamo-nos abrigados pelo farol como se ele fosse o nosso templo protector ou a nossa casa, olhamos o rio, a cidade, olhamos o tempo que ainda não é o nosso. Por vezes alguma tristeza leva-me a baixar os olhos mas logo a tua mão me acarinha. Meu amor.
Por isso, regressei sozinho, todos os dias regresso sozinho, o coração tranquilo, um calor doce a correr-me nas veias.
De olhos fechados, agora que anoiteceu e me deitei, revejo o farol, revejo a alegria dos teus olhos luminosos, sinto ainda o calor do teu abraço. Meu amor. Vou esperar por ti o tempo que for preciso. Vou esperar por ti toda a minha vida se necessário for. Até lá, os meus braços pacientes procuram o rasto de ti nesta cama onde nunca te deitaste. Sei que um dia vais estar aqui comigo e juntos percorreremos todos os rios deste mundo.
[Pedro Tamen é um dos poetas que mais frequentemente me visita aqui no Ginjal. Abaixo do seu belo poema, mais uma grande interpretação, desta vez no oboé. É Henrik Chaim Goldschmidt interpretando Ennio Morricone.]
Lisboa e o Tejo vistos do farol de Cacilhas |
Atravesso o rio
e entre as árvores clareia
a luz inimitável dos teus olhos.
Quando regresso
deito-me na cama e anoitece,
mas o farol ainda me guia
e às apalpadelas toco o rasto
do caminho que nunca percorri.
[Poema 11 de Pedro Tamen in Rua de Nenhures]
Belíssimas palavras inspiradas num belo poema!
ResponderEliminarEstou a adorar descobrir o Pedro Tamen poeta e o seu 'Rua de Nenhures' rua que, segundo li numa entrevista, existe mesmo em Setúbal.
Já está na minha lista de compras...
Bj e uma bela Segunda!
Antonieta