Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

05 abril, 2013

A minha Musa é cruel mas eu não conheço outra


Não tenho musa. A minha musa é a beleza que me rodeia. Não tenho musa, nem muso. Só se fosse um muso nu, que se deixasse despir, que gostasse de andar pela trela. Mas, se fosse assim, só o queria para me inspirar a escrever coisas malucas. É melhor não ter nenhum muso, não fosse ele fazer-me chichi para a perna ou não gostar da ração. 

Também não quero ser musa. As musas são sossegadas, passivas, submissas. Não sou nada disso. As musas não devem falar. Mas se eu não sou muda, como poderia ser musa?

Se um poeta me cantar, passo a ser o quê? Palavras num poema? Fico sem sangue a correr dentro de mim? Transformo-me numas quantas palavras limpas numa página branca? Não quero. Deusa grega? Ora abóbora. Pele de mármore, seios assim ou assado, ventre liso e macio? Isso sou eu? Ou são palavras banais? Ora.

E, se eu escrever sobre alguém, será que corro o risco que esse alguém ponha a cabeça de fora deste computador para me morder a língua? Medo... 

Mais vale falar só de gansos até porque o ganso já arranjou uma gansa. Ou será outro ganso? Será que o ganso arranjou outro ganso para ser o 'seu esposo'? Ou será que é uma gansa que é a musa do ganso? E será que a gansa é cruel e, fingindo que é sem querer, vai e pisa os calos ao ganso? Ou se faz de conta que lhe vai dar um beijinho e, à traição, a malvada, lhe dá uma dentada...? Não, isso não, que as gansas não têm dentes. Acho eu.

Ai, tantas perguntas. E logo hoje que estou sem cabeça nenhuma. É que estou tão triste porque o meu relvas se demitiu. Ó filho, porque é que te demitiste, filho? Estavas lá tão bem, amôre.

Enfim. Adiante. Nem sei porque é que agora me lembrei do relvas.

Ah, já sei: é que o relvas era a musa do passos coelho.



[Abaixo de mais um poema de Adília Lopes, hoje temos um momento inesperado. Qualquer coisa de imprevisto acontece durante uma ária interpretada por Sirkka Lampimäki. Que granda maluca.]


Agora já são dois: dois gansos! No Ginjal, claro.




                                        A minha Musa antes de ser
                                        a minha Musa avisou-me
                                        cantaste sem saber
                                        que cantar custa uma língua
                                        agora vou cortar-te a língua
                                        para aprenderes a cantar
                                        a minha Musa é cruel
                                        mas eu não conheço outra


                                        [Poema de Adília Lopes in Dobra]



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