Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

21 março, 2013

Leva ao coração toda a luz que a mão espalha


Esta cidade é tão bela. Podia ter sido inventada, tão bonita, tão bonita. E a luz que vem do rio que a espelha, uma luz tão limpa. E o rio, tão largo, quase mar.

Estão pessoas ali ao fundo mas não as vejo. A cidade parece um desenho. E o silêncio. Tão bom este silêncio. Que sossego tão bom.

Sento-me aqui. Tantos amigos já partiram. Os meus irmãos, os meus primos. Em tempos também tive tios. E pais, claro. Há tanto tempo se foram os meus pais, os meus tios. Fui, em tempos, um menino e tinha avós. Pó. Todos pó. Ou nem isso. Há tanto, tanto tempo.

Depois foste tu. Tu que não podias ter ido. Tantas vezes falámos nisso e tu dizias que não querias ir antes de mim, não querias deixar-me assim, sozinho, tão triste. Querias, pois, que eu fosse antes de ti e eu queria-te bem por quereres isso. Tanto amor nessa tua vontade. Mas não esperaste por mim, foste antes. E eu não consegui impedir-te. E aqui continuo sem saber o que fazer. Vou chegar atrasado. Espera por mim e desculpa-me por chegar tão tarde. Minha menina, aí sozinha. Nada mais faz sentido. 

Nada procuro. Nada.

Talvez apenas o sítio de onde nasce, por vezes, um poema. Ou talvez apenas o sítio de onde nasce, por vezes, uma luz que vem, feita de palavras, para me aquecer o coração.

E ouço, então, a música que nascia de ti, meu amor, e se desdobrava em palavras de carinho, de luz, palavras que eram mãos gentis, que eram um coração suave, cheio de amor por mim. Mas tão poucas vezes isso acontece. Nem sei se acontece. Talvez seja só um sonho. Não sei. 



[Aqui abaixo um poema de um Poeta que eu desconhecia, José Carlos Soares e, a seguir, três poemas seus lidos - muito bem lidos. Depois, abaixo, mais uma grande interpretação de Nelson Freire, desta vez uma Bachiana brasileira de Villa-Lobos]


Em Cacilhas, observando Lisboa e o Tejo



                                             Nada procuro
                                             senão o sítio

                                             onde atrasar o poema
                                             e aquela sombra sem culpa

                                             de quem leva ao coração
                                             toda a luz que a mão espalha.



                                             [Poema de José Carlos Soares in 'Resumo - a poesia em 2012]

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Poemas de José Carlos Soares lidos por José António Moreira

Guardo ainda esse sorriso
Agora que a dor regressa
Devagar acende os gestos

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