Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

24 março, 2013

Era um país para onde se ia adormecendo


Dias de luz encoberta, uma estação que hesita entre o sol e a chuva, uma primavera vestida de invernia, o céu que ora se cobre ora se descobre, uma aragem fria.

E os passos passam rápidos, uns para a frente outros para trás, e não vão a lado nenhum, apenas andam.

E o menino pergunta-me: quando é que vamos descobrir aquelas pessoas estranhas?

Não percebo. Penso. Depois ocorre-me: as de outros planetas?

Era isso, sim! Pessoas estranhas para ele são as que ainda não se conhecem. As que passam e correm para não irem a lado nenhum parecem-lhe normais.

E depois inquieta-se: e se demoramos muito a descobri-las?

Descanso-o: ou os descobrimos nós ou nos descobrem eles.

Ele sorri, agora mais esperançado.

E, no meio de uma paisagem suspensa, um pequeno pássaro negro. Indiferente às ameaças, passeia e brinca. Este não me conhece, não brinca comigo. Habituou-se a viver solitariamente. 

E as gaivotas aqui estão aquietadas. Não gritam. Olham o horizonte com paciência, em silêncio. Acomodadas.

Quase adormecidas, elas e nós. Caminhamos mas é como se estivéssemos em repouso, não vamos a lado nenhum. Caminhamos em silêncio como se nos enrolássemos numa capa, numa folha, numa asa, como se mergulhássemos devagar nas águas paradas e brancas, como se mergulhássemos imóveis, sem ar, sem esperança.

Vivemos num país quase adormecido e nele caminhamos em silêncio, sem destino, sem futuro.

Até um dia. Um dia o país vai acordar. Espero eu. Um dia vamos descobrir o caminho para o futuro. Ou, então, é o futuro que nos vem, aqui, descobrir a nós.



[Abaixo da fotografia do tempo suspenso, um grande pequeno poema de António Ramos Rosa e, logo abaixo, um momento muito especial: a Dança dos Espíritos Sagrados em coreografia de Pina Bausch]


O Tejo e a Ponte Vasco da Gama vistas a partir da zona do Parque Expo



                                                               Era um país
                                                               para onde se ia adormecendo

                                                               e se caminhava no repouso

                                                               como num adeus invertido
                                                               ou numa folha enrolada
                                                               no seu próprio silêncio



[Poema de 'A intacta ferida' de António Ramos Rosa in Antologia Poética]


2 comentários:

  1. E não é que na "fotografia do tempo suspenso" pareceu-me vislumbrar um Cristo suspenso da cruz?

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  2. Caro Domingos,

    Sim, tem razão, algo de seco, que parece sem vida, numa cruz. O tempo crucificado. Ou um país crucificado.

    Mas, lá mais para a frente, vai ressuscitar.

    Um dia destes, quando eu lá passar de novo, hei-de espantar-me com a força e vigor de um corpo ressuscitado, em flor.

    Darei conta.

    Obrigada. Gostei muito da sua observação.

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