Dias de luz encoberta, uma estação que hesita entre o sol e a chuva, uma primavera vestida de invernia, o céu que ora se cobre ora se descobre, uma aragem fria.
E os passos passam rápidos, uns para a frente outros para trás, e não vão a lado nenhum, apenas andam.
E o menino pergunta-me: quando é que vamos descobrir aquelas pessoas estranhas?
Não percebo. Penso. Depois ocorre-me: as de outros planetas?
Era isso, sim! Pessoas estranhas para ele são as que ainda não se conhecem. As que passam e correm para não irem a lado nenhum parecem-lhe normais.
E depois inquieta-se: e se demoramos muito a descobri-las?
Descanso-o: ou os descobrimos nós ou nos descobrem eles.
Ele sorri, agora mais esperançado.
E, no meio de uma paisagem suspensa, um pequeno pássaro negro. Indiferente às ameaças, passeia e brinca. Este não me conhece, não brinca comigo. Habituou-se a viver solitariamente.
E as gaivotas aqui estão aquietadas. Não gritam. Olham o horizonte com paciência, em silêncio. Acomodadas.
Quase adormecidas, elas e nós. Caminhamos mas é como se estivéssemos em repouso, não vamos a lado nenhum. Caminhamos em silêncio como se nos enrolássemos numa capa, numa folha, numa asa, como se mergulhássemos devagar nas águas paradas e brancas, como se mergulhássemos imóveis, sem ar, sem esperança.
Vivemos num país quase adormecido e nele caminhamos em silêncio, sem destino, sem futuro.
Até um dia. Um dia o país vai acordar. Espero eu. Um dia vamos descobrir o caminho para o futuro. Ou, então, é o futuro que nos vem, aqui, descobrir a nós.
[Abaixo da fotografia do tempo suspenso, um grande pequeno poema de António Ramos Rosa e, logo abaixo, um momento muito especial: a Dança dos Espíritos Sagrados em coreografia de Pina Bausch]
O Tejo e a Ponte Vasco da Gama vistas a partir da zona do Parque Expo |
Era um país
para onde se ia adormecendo
e se caminhava no repouso
como num adeus invertido
ou numa folha enrolada
no seu próprio silêncio
[Poema de 'A intacta ferida' de António Ramos Rosa in Antologia Poética]
E não é que na "fotografia do tempo suspenso" pareceu-me vislumbrar um Cristo suspenso da cruz?
ResponderEliminarCaro Domingos,
ResponderEliminarSim, tem razão, algo de seco, que parece sem vida, numa cruz. O tempo crucificado. Ou um país crucificado.
Mas, lá mais para a frente, vai ressuscitar.
Um dia destes, quando eu lá passar de novo, hei-de espantar-me com a força e vigor de um corpo ressuscitado, em flor.
Darei conta.
Obrigada. Gostei muito da sua observação.