Uma renda que encobre o céu aqui onde a vejo, uma renda negra que desce como um gracioso véu sobre a tarde fria. Atrás há um rio agitado e escuro que vai à procura do grande oceano, e há navios que percorrem os longos caminhos de água e há cidades e há o longo horizonte e há, talvez, o nada.
Mas, aqui onde estou, os pés quase molhados de tão molhada a terra está, é apenas uma bela árvore de braços nus que se debruça, graciosa bailarina, e eu não sei se os seus ramos procuram a terra, se o mar, se as sua raízes mergulham até onde as águas correm, longe, tão longe da luz, ou se se alongam até ao outro lado do mundo, até onde o sol tem outra hora e as pessoas usam outras palavras. Que sei eu, pois, desta bela árvore?
Em vão procuro o pássaro preto. Não, não anda por aqui. Estará num outro lugar que, por aqui, hoje, a desolação e o frio são agrestes. E nestes ramos nus desta árvore bailarina nenhuma ave, nem sequer uma ave inventada. Voa o meu olhar por ela, procurando o que ela procura, na esperança que ela encontre nos símbolos mais profundos da terra ou do mar o que eu não encontro nas palavras e nos olhares das outras pessoas.
[Que as palavras hoje me saíram assim, talvez embaladas pela árvore de Carlos de Oliveira, ouçamos então, a seguir, para nos animarmos, uma dança de fogo. É um novo grande intérprete que hoje aqui começa: no violoncelo, Mischa Maisky que hoje interpreta Manuel de Falla]
Grande navio a atravessar a barra no Tejo hoje ao fim do dia, no jardim do Ginjal |
é então que vejo
no halo mais antigo
a árvore desolada,
os ramos em que poisam
as aves
doutros livros,
e pressinto as raízes
através da sílica
onde a família dorme
com os ossos dispostos
nessa arquitectura
duvidosa
de símbolos
['Árvore, VII' de Carlos de Oliveira in 'Trabalho Poético']
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