Debruças-te sobre mim, roças a tua barba sobre a minha pele nua e eu queixo-me, ai..., e tu ris, ai fauno doido, que me arranhas, e depois, com as mãos, percorres a minha mão, dedo por dedo, e depois já os percorres com a boca e depois sobes pelo braço e eu fecho os olhos. Fauno lascivo, suspiro, e tu nem me ouves e segues, agora a axila e cheiras e sorris e dizes que cheira tão bem e continuas e percorres o pescoço com as mãos, as duas mãos, sentes o perímetro, e eu, indefesa, não digo nada e depois segues pelo colo e cheiras, cheiras tão bem, e eu sorrio, e depois percorres os seios, um e outro e os dois e eu deixo, porque não haveria de deixar?, e depois beijas e lambes e depois voltas a usar as mãos e é como se avaliasses o volume, a curva e a luz e a sombra e depois afastas-te e estudas a perspectiva e dizes-me que esconda o rosto e eu escondo, depois voltas ao meu corpo e amacias o ventre e modelas as ancas e eu deixo, gosto, e já nem sei se respiro se suspiro se transpiro e depois afastas-te e abres a janela, deixas que a aragem faça dançar as cortinas, depois afastas as cortinas e deixas que a sombra dos ramos nus da grande árvore se desenhe no meu corpo nu e o vento agita os ramos que se agitam no meu corpo e o meu corpo é um pássaro e é árvore e depois tu prossegues e afastas-me as pernas e vês o melhor ângulo, a melhor posição e eu deixo que tu me estudes, me mexas, me ajeites, que me modeles e sou argila, e sou carne, e sou desejo, e sou uma tentação que se deixa tentar, e sou uma mulher que ama e se deixa amar.
Depois, mais tarde, quando a aragem se aquieta e o sol tardio percorre, guloso, o meu corpo rendido, afastas-te de novo e enfias as mãos no barro molhado, quente, macio, e eu olho e não sei se sou a que nasce das tuas mãos sujas, se sou a que se entrega ao teu olhar na cama desfeita.
[Abaixo da árvore cuja sombra percorre o corpo da mulher que é verso nas mãos de Vasco Graça Moura, uma brilhante grande interpretação de Martha Argerich que se faz acompanhar de um grande violoncelista, Maisky, tocando Schumann]
Muralha na Boca do Vento sobre o Ginjal |
como um hirsuto fauno que modela
uma delgada argila (e encurva, estira
inflecte, aperta, encrespa, intui, remira
o contorno lascivo que revela
a axila, a coxa, o torso, a face e nela
o sono ou o sorriso em que respira)
quer a pressão dos dedos se refira
ao que outro em tempos fez de uma costela,
mas que à figura táctil acrescente
um touro, um cisne, a sombra de um falcão,
as folhas de hera, a concha, ou a serpente
para o retorno eterno e tem à mão
os mitos que refaz à nossa frente
em forma de mulher e tentação
['josé rodrigues no atelier da árvore' de Vasco Graça Moura in 'visto da margem sul do rio o porto',
uma antologia poética,
um livro belíssimo com fotografias de Maria Manuela Graça Moura e aguarelas de António Cruz
da Editora Modo de Ler]
Muito bom!
ResponderEliminarDos sentidos, o tacto...
bfs
Abraço
Dos sentidos, todos: visão, audição, paladar, olfacto e, claro, tacto. Todos muito importantes, em cada momento um mais que outro. Mas se puderem coexistir, em cocktail, tanto melhor.
ResponderEliminarUm bfs para si também e um abraço!