Em que pensas? De azul e verde te vestes e quase te confundes com as águas. Delas te vem a melancolia, das águas que correm; e tu aqui sem poderes ir também. Pensas que o rio vai ligeiro e perfumado e tu aqui na margem. Pensas que podias até chorar e as lágrimas cairiam nas águas e ninguém perceberia. Ninguém para se sentar ao teu lado, para conversar contigo sobre as marés, sobre os peixes que saltam brilhantes. Ninguém. Tu aqui debruçada sobre um rio que corre prenhe de vida e tu em terra, asas cortadas, olhar triste.
Escondes a tua beleza porquê? Para que a luz não te inunde os olhos do azul do rio? Porque não deixas que te veja, oh bela e estranha mulher? Deixa que o azul do céu e o branco das nuvens e o amarelo do sol entre no teu coração, deixa que o teu olhar se ilumine, quero ver-te alegre, cabeça erguida, corpo disponível.
Se te escondes, como pode a luz que trazes prisioneira no teu peito apagar a melancolia que trazes contigo?
Ah, esquece quem partiu, esquece quem te deixou aqui solitária e saudosa, esquece. Mostra-me a tua estranha beleza e deixa que eu te mostre como a luz pode renascer aqui, nesta margem, deixa que eu me sente a teu lado, vamos conversar, vamos voar, vamos molhar o nosso olhar no mar.
[Abaixo da mulher que olha o rio, um novo Poeta, alguém que me traz encantada com o seu recente livro, Manuel Gusmão. E, a seguir, uma nova grande interpretação. Desta vez Martha Argerich interpreta Liszt]
Sobre o Tejo, num dos cais do Ginjal |
Ah, como usas a tua estranha beleza
com esse ar melancólico e quase triste
no olhar que se escondo e nos lábios
de quem poderia até chorar
São apenas gestos da luz prisioneira
da luz que os pigmentos declinam
prendem e libertam.
['A pintura corpo e corpo, os corpos da pintura; pintores pintados', #7, de Manuel Gusmão in 'Pequeno tratado das figuras']
"Ou como tu estranhas a beleza que usas quando te vestes de mar"
ResponderEliminarAbraço
Ou como o mar se entranha em ti, oh estranha beleza.
EliminarUm abraço, jrd!