Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 março, 2013

A frouxidão no amor é uma ofensa; a paixão requer paixão, fervor, extremo


Planta rompendo de entre o cimento junto a uma parede pintada


À infelicidade seguiu-se o excesso, o desafio, a sedução, o gozo. E sempre a ironia, a jocosidade, o colo quente das mulheres, muitas mulheres, muito amor para dar, muito amor para receber. Navegador, versejador, amante, tradutor, desafiador, uma vida de muitas voltas. Viveu pouco mas o pouco que viveu foi muito pois foi imenso como são imensos todos os grandes poetas. Magro, de olhos azuis, carão moreno, mais propenso ao furor do que à ternura, eis Bocage, em quem luz algum talento.


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A frouxidão no amor é uma ofensa,
ofensa que se eleva a grau supremo;
paixão requer paixão, fervor e extremo;
com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,
e antes que um coração pouco amoroso
quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso,
mas de teu peito a lânguida ternura
tem-me cativo e não me faz ditoso.






Meu ser evaporei na lida insana
do tropel de paixões, que me arrastava;
ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
ao mal, que a vida em sua orgia dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube,
ganhe um momento o que perderam anos,
saiba morrer o que viver não soube.





Poemas de Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage ditos por Odete Santos e Gel e 'Por detrás da história - Bocage, documentário sobre a sua vida e obra'


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A seguir temos uma nova grande interpretação de Nelson Freire, desta vez de Chopin, e é uma maravilha ver como a música pode escorrer como água.


2 comentários:

  1. Já que de amor se fala e do fogo da paixão, permita-me o atrevimento desta erótica do Manuel Maria du Bocage:

    AMAR DENTRO DO PEITO UMA DONZELA

    Amar dentro do peito uma donzela;
    Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
    Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
    Depois da meia-noite na janela:

    Fazê-la vir abaixo, e com cautela
    Sentir abrir a porta, que murmura;
    Entrar pé ante pé, e com ternura
    Apertá-la nos braços casta e bela:

    Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
    E a boca, com prazer o mais jucundo,
    Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

    Vê-la rendida enfim a amor fecundo;
    Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
    É este o maior gosto que há no mundo


    (Bocage, Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas)

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  2. Excelente!

    Transmissão de pensamento...No dia em que fez este post tinha estado a referir-me a ele, e voltarei ao tema em princípios de Abril,. :)

    Gostei muito.

    Bj

    Olinda

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