A mulher que não tem filhos, nem irmãos, nem pais, nem marido, nem amante, nem amigos não serve realmente para nada.
O homem que perdeu o emprego, a casa, a mulher e a guarda dos filhos não serve realmente para nada.
O velho que se senta na beira do rio olhando realmente para nada, sem ninguém em casa, sem ninguém em lado nenhum também não serve realmente para nada.
A velha que se senta no banco da paragem, olhar perdido, sem esperar nada nem ninguém não serve realmente para nada.
O jovem a quem os pais não conseguem pagar os estudos, que não arranja trabalho, que não consegue deixar de sobrecarregá-los, que não consegue ter uma casa sua nem mulher nem filhos também não serve realmente para nada.
O doente que está no hospital sem ninguém que o vá buscar porque ninguém pode fazer-lhe companhia ou pagar por uma ou pagar-lhe os medicamentos ou alimentá-lo não serve realmente para nada.
O homem e a mulher que têm família, casa e trabalho mas a quem os proventos foram de tal forma reduzidos que já não conseguem pagar o empréstimo do carro nem o da casa nem dar todas as refeições aos filhos também já não servem realmente para nada.
Pensando bem, nenhum de nós serve realmente para nada.
E, pensando ainda melhor, acho que está mas é na altura de eu organizar um exército com os gatos todos do Ginjal e avançar com eles pelo conselho de ministros adentro.
A seguir trazia-os comigo e já os imagino de barriga cheia, a rebolarem-se na areia da praia, ao calor, contentes, ronronando de alegria pela desinfestação efectuada e eu, gata como eles, ronronaria também sonhando com um país melhor onde todos nós servíssemos muito para tudo.
[Abaixo de dois dos meus amigos gatos, mais um poema de Inês Lourenço e, logo a seguir, mais uma grande interpretação de Yo-Yo Ma, desta vez numa música de Dvořák - e eu acabei de constatar que, quando, tempos atrás, andei a trazer aqui compositores estupidamente me esqueci deste compositor, falta que, um dia destes, terei que reparar]
Numa das praias do Ginjal, dois dos meus amigos gatos, prontos para avançar |
ao Eugénio de Andrade
Um gato não serve realmente
para nada, vão quase seis séculos
desde o tempo das caravelas
onde embarcou com os marítimos para
extermínio dos roedores que
infestavam o porão das naus. Agora
só o dorso oferece às carícias
ou ao regaço o peso
do pequeno corpo, ronronando
a grata beleza de existir
['Préstimo' de Inês Lourenço in Câmara Escura]
Achei lindo!
ResponderEliminarUm beijinho
Olá Isabel,
EliminarOlhe: e por aí, pelas belas terras de Castelo Branco, não há gatos que se possam arregimentar para virem por aí abaixo à caça da rataria...?
:-)
Beijinhos!
Gatitos há por cá muitos, há!
EliminarGatitos há e são muitos. Então não serão capazes de pôr os ratos na ordem...? eu acho que sim.
Eliminarbeijinhos!
Olá UJM,
ResponderEliminarDaqui do Ribatejo também estou a preparar a minha artilharia de gatas e gatos para integrar esse exército, que vai ficar na história, para verem se os gatos prestam ou não prestam para nada!!!... vão ficar todos generosamente arranhados...:)))
Gostei muito deste seu post humorístico...Valha-nos a UJM para sorrirmos um pouco e vermos a vida mais alegre.
O poema é um pequeno hino à existência dos nossos felinos lindos, e esse de patinha no ar pronto a avançar para a luta, está o máximo!
Avançar, avançar, que já se faz tarde...
Um beijinho grande.
Olá Maria Eduardo,
EliminarBoa! Que venha de lá a gataria toda, gatos e gatas, tudo de pata no ar, unhas afiadas. Juntemos os gatos todos do país e avancemos contra a rataria que por aí anda a roer a nossa carne, os nossos ossos. Já chega!
A eles! Avançar, avançar!
(Não conte a ninguém mas eu vou lá no meio do exército, disfarçada: até já estou a deixar crescer as unhas e os bigodes...)
:))
Beijinhos!
Olá,
ResponderEliminarGatos, Eugénio, Inês Lourenço (vou tentar saber mais sobre ela) e as palavras sempre certeiras de uma certa gata de olhos à la Christie...
Gostei e muito!
O Eugénio tem um poema, Acerca de Gatos, que começa assim:
"Em Abril chegam os gatos..."
E Abril está quase a chegar!
E que venham todos os felídeos: leões, tigres, chitas, pumas, leopardos, panteras, linces... e o Gato das Botas (com a voz do Banderas, claro!).
Todos não seremos demais!
Abaixo os 'camundongos'
bj
Antonieta
Olá Antonieta,
EliminarO Ginjal, o rio, as casas arruinadas, a neblina, tudo isso liga bem com gatos. E, como diz a Poetisa, os gatos dão muito jeito quando se quer evitar a presença da rataria.
Gostei do Banderas vestido de Gato das Botas. Alinho no exército dele. Eu posso ir de Cat Woman. Todos somos necessários porque todos servimos para muitas coisas, inclusive para garantirmos que o povo é quem mais ordena e que os políticos devem estar ao serviço do povo.
E a Antonieta vá pensando como, quando nos pusermos em marcha, está a pensar vir arranjada. Se também de Cat Woman ou de uma qualquer outra forma.
Beijinhos e que venha Abril!
E então, gatos e homens serviriam para tudo, principalmente para dar cabo dos "ratos".
ResponderEliminarAbraço
Olá jrd,
EliminarIsso mesmo. Não é só para limparem a rataria das naus que os gatos são úteis porque as naus não têm o exclusivo no que a ratos diz respeito. Continua a haver por aí muito rato, muita ratazana.
Juntemo-nos todos que já é tempo dos ratos serem postos fora da nossa nau.
Um abraço, jrd.
Cara UJM, gostei da comicidade desta rábula e deste desfiar de situações de “mau préstimo das coisas e pessoas”. Adorei tanto que até consegui, por impulso, idealizar uma expressão simples, de epílogo, a colocar, ordenadamente, no término de cada seu parágrafo. Permita-me a ousadia:
ResponderEliminar1. Figura de adorno, mera estatueta.
2. Indigente, sem abrigo
3. Velho do Restelo
4. Contadora de autocarros
5. Contrapeso, ironia
6. Cadáver adiado
7. Cobaias da lusa troika
8. Tangencia da verdade
9. Bem pensado, bela hipótese
10. A dulcíssima solução final.
Para si, família e felídeos amigos, muita saúde.
Pois é, dbo, as suas palavras contêm uma definição das personagens, talvez, nalguns casos, um pouco inclemente. Estamos todos, aos poucos, a começar a perceber que, de um momento para o outro, somos tratados como descartáveis, imprestáveis. De um momento para o outro, vidas de trabalho, anos de aprendizagem, tudo isso vale pouco, quase nada. Parece que ninguém tem direito ao futuro, nem os velhos, nem os novos.
EliminarMas não desesperemos, não desanimemos: temos é que lutar. Juntos somos muitos e disso não nos deveremos esquecer.
Muito obrigada pelas suas palavras, sempre tão delicadas e simpáticas, e nem sabe como lhe agradeço sempre tanto os seus votos de saúde.