Não sei. Talvez seja solidão. Mas que sei eu de palavras?
Uma inquietação fria que desce pela garganta, que aperta o peito, que se fica por um lugar não sei onde, que nem é dentro nem fora de mim. Uma sombra, uma sombra cá dentro, talvez no lugar do coração. Ou talvez sobre mim, talvez uma ameaça, ou um desamparo. Não sei que nome lhe dar. Esqueci as palavras.
Olho o rio, a cidade, olho os que passam levados pelo vento. E eu aqui, em silêncio, sem ânimo, sem vontade de nada. Olho e vejo o azul mas o azul agora já não traz calor. Tenho tanto frio. O azul que os meus olhos vêem é frio, vazio, tão desolado.
Estou aqui mas podia estar fechada em casa, escondida atrás de uma cortina, encoberta pela sombra, na minha casa sem música, sem cheiros, sem cor, sem vida. Sim, estou aqui mas podia estar esquecida na minha casa que não é visitada por ninguém, onde os dias passam em silêncio, sem história. Mas é aqui que estou. Eu ou a minha sombra, não sei, não sei.
Olho em frente e nada vejo. Ninguém fala comigo. Podia ficar aqui até à noite que ninguém falaria comigo. Esqueço-me, até, do som da minha voz. Esqueço até o tacto. As minhas mãos esqueceram há muito a ternura e o calor de uma outra pele. Podia sair daqui para mergulhar nas águas geladas do rio que ninguém daria por nada, ninguém diria nada. Não existo. Sou uma sombra.
O meu corpo foi o que restou. Um corpo habitado pela inquietude. Um corpo varrido pela solidão.
[Abaixo de um outro poema de José Alexandre Caldas Ribeiro, dou início a uma semana dedicada a um novo grande intérprete: hoje é Rostropovich, no violoncelo, hoje interpretando Haydn]
Na estação de Cacilhas, de frente para o Tejo, de frente para Lisboa |
Talvez a solidão. Talvez ela passe pelo crivo da garganta
Entregue a ela possa haver um lugar em que aguarde os
dias com alguma inquietude
à medida de um sério despertar
Sombra de um resguardo abeira do corpo
Forço o tacto. Perto
só o inverno a faz esquecer por dias quentes
Estes são outros onde há azul para todos
Esquecida, talvez ela volte para aqui
Silvos a aguardam.
[Poema de José Alexandre Caldas Ribeiro in 'A água que nos move']
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Pedaço de chão
no imenso mar.
Quarto alugado
na cidade grande
angústia que chega
ao entardecer
O livro que se lê
para combater o tempo
Ilha, ilhas
lagos submersos de silêncio
e o dia que se abre,
ao longe,
e os amanhãs
sempre iguais.
['Isto também é solidão' de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]
Não sei se a solidão é bipolar. Mas sei que por vezes o mal está nos outros, que não nos deixam ficar sós, nem que seja por uns instantes.
ResponderEliminarAbraço
Também não sei se a solidão é bipolar e percebo muito bem o que diz. Gostando de viver no meio dos outros, aliás, não passando sem isso, sinto por vezes uma necessidade imperiosa de estar sozinha, sem ter que falar, apenas eu. Penso que é também por isso, que, desde que me lembro, tive o hábito de ficar sozinha pela noite dentro ou a ler ou a escrever ou a pintar ou a bordar. O silêncio do sossego é-me imprescindível. Fico muito cansada, muito mais do que quando a trabalhar de sol a sol, quando estou naquelas festas ou encontros ou situações em que estamos rodeados de gente, a ter que fazer conversa em contínuo. Isso arrasa-me.
EliminarUm abraço, jrd!
Olá UJM!
ResponderEliminarIsto também é solidão:
Pedaço de chão
No imenso mar.
Quarto alugado
na cidade grande
angústia que chega
ao entardecer
O livro que se lê
para combater o tempo
Ilha, ilhas
lagos submersos de silêncio
e o dia que se abre,
ao longe,
e os amanhãs
sempre iguais.
um abraço
Olá Joaquim,
ResponderEliminarEste seu poema já lá está em cima, no lugar onde escolheu acolher-se. Mas ficava também muito bem ao pé do poema do José Gomes Ferreira e do texto que acabei de escrever - acho eu.
Seja como for, o que concluo é que os seus poemas ficam muito bem aqui, é como se esta fosse a sua segunda casa.
Muito obrigada.
Um abraço.