A névoa começa a dissipar-se. Era um véu branco e leve e eu ocultava-me debaixo dele. Suave e frio sobre a minha pele, o véu cobria a minha hesitação.
Mas o sol começa a aparecer. É a primavera que começa a anunciar-se, inocente, tímida, um pequeno rebento aqui, uma pequena flor ali, um pássaro que canta menos arisco, uma criança que corre na areia.
Desapareceu o meu véu. O meu colo começa a desvendar-se, a linha entre os seios, os meus lábios, a minha memória. Tento proteger-me, busco a sombra. Mas o sol começa a percorrer os recantos e eu percebo que não vale a pena esconder-me mais.
Seja.
Abro, então, as janelas: que entre a luz. Olho as paredes brancas, caiadas. Que sobre ela incida o sol, que sobre mim desça o calor do sul.
Coloco as frutas numa cesta, será uma forma de dar as boas vindas, abro a porta, deixo que o gato sinuoso se esgueire, deixo que a maresia suave venha perfumar o quarto.
Entardece. É a hora da rendição da luz, a lenta rendição da luz. Esta é a hora em que Artemes deixa que as crianças saiam, brinquem no quintal, esta é a hora em que Artemes espera que o poeta espreite ao portão, pergunte se pode entrar.
Artemes escondia a memória sob um véu mas o véu dissipou-se, lentamente, lentamente. Artemes lembra agora o poeta que um dia, lá muito atrás, abandonou. Não sabe ainda o que lhe dirá mas sabe que lhe deve uma palavra.
Artemes escondia a memória sob um véu mas o véu dissipou-se, lentamente, lentamente. Artemes lembra agora o poeta que um dia, lá muito atrás, abandonou. Não sabe ainda o que lhe dirá mas sabe que lhe deve uma palavra.
[Abaixo da cal, da fruta e da luz do poema de Luiza Neto Jorge, mais uma maravilhosa interpretação de David Fray, desta vez com Beethoven]
Num recanto do Ginjal |
Portas cerradas mesmo aos deuses.
Postigos por estrear.
O sol, de cal.
Ao render da luz as mães
soltam os filhos à lua
nos quintais.
[Poema de Silves 83 de Luiza Neto Jorge in poesia]
Olá UJM,
ResponderEliminarQue bom ler as suas palavras mágicas.
Este seu cantinho "zen", tranquiliza-nos o espírito, faz-nos esquecer as babozeiras que dizem os incompetentes que temos no governo.
Quem me dera poder fugir para um sítio como aquele que descreve!!
Que nos valha a Primavera e os dias bonitos!!
Desejo que o seu dia seja tão feliz como a felicidade que aqui nos transmite.
Bom fim de semana.
Aquele abraço.
MCP
Olá MCP,
EliminarQue bom revê-la! Fico contente!
Desde quinta feira passada, quando escrevi isto, o tempo mudou muito. Hoje esteve outra vez um tempo frio e de chuva. Tomara a primavera que este frio e esta humidade já me começam a aborrecer.
Obrigada pelas suas palavras.
Um beijinho e dias muito bons para si!
O poema que abre o CD 'Os Poetas' é o Magnólia da Luiza Neto Jorge.
ResponderEliminarDepois são quatro minutos de música sublime ( que quase me faz chorar), em que se destaca o acordeão mágico do Gabriel Gomes, um dos fundadores dos Madredeus.
Espero que encontre o CD, tentou a Assírio?
É que ele foi feito para comemorar os 25 anos da editora.
Beijinho
Antonieta
Olá Antonieta,
EliminarTomara que eu arranje esse CD. Sou fã de Rodrigo Leão e sou 'agarrada' a palavras de poetas.
Encomendei-o na FNAC. A ver se tenho sorte. Se me disserem que não arranjam, tentarei então directamente a Assírio.
Obrigada!
beijinhos!
ESTA COISA DO AMOR
ResponderEliminarOntem fui ver o filme
finalmente
(faltava-me coragem)
mas o apelo cresceu e lá fui eu
Só se podia mesmo chamar AMOR
.............................
e ali estava a prova que passaram muitos anos
quando aquele actor era o homem certo, inteligente, lindo, desejado
e corria praia fora ao encontro da Annie
quando o abraço deles nos arrepiava
e a música entranhada em nós
ficava
enquanto o cão feliz rodopiava na areia
De novo
na grande intimidade
"um homem e uma mulher" se amando
já não o mar
mas a dor por perto
e um "Jean Louis" trôpego
condenado
ao gesto único
sublime, adiado
como se fosse um generoso e derradeiro abraço
E nós que ainda nos temos...
ali em silêncio
de mão dada no escuro como antigamente
sabendo que entre os dois grandes filmes decerto envelhecemos
Erinha,
EliminarQue belas palavras as suas e que amor o vosso, sentindo no 'escurinho do cinema' que o amor é terno e eterno.
Eu não tive coragem para ver esse filme nem a vou ter. Não consigo. Assisto agora de perto a 'esse filme'. Ainda hoje assisti. Tento sempre animar-me e animar mas custa-me tanto assistir ao avançar inclemente do tempo. E custa-me ver o que é a dedicação de quem cuida heroicamente de um outro a quem a sorte ou a vida pregou uma rasteira. Tudo isto é terrível para mim. Por isso, não consigo ir assistir ao Amor. Muito doloroso.
A finitude da vida, especialmente a daqueles que me são muito próximos, é uma coisa que me inquieta.
Mas gostei muito de ler as suas palavras. Tomara eu ser capaz de fazer uma observação tão realista desta situação.
Um beijinho Erinha!
Olá UJM!
ResponderEliminarQue lindíssimo texto o seu. Queria responder-lhe mas fiquei sem palavras. Fique-se com os meus agradecimentos e com uma vénia profunda e respeituosa.
Da CR um abraço
Olá Joaquim,
EliminarQue contente e sensibilizada fiquei ao ver um comentário vindo de tão longe. Muito obrigada por tudo.
Um abraço!