Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

09 janeiro, 2013

Eu sou o mais boquiaberto dos ministros, estas finanças devem ser um falo


Não percebo nada disto. Sei de tudo, sou o maior, o melhor, o mais bem comportado, acordo cedo, sou o primeiro a chegar a todo o lado, sou lavadinho, toda a gente me conhece e cumprimenta, ando sempre carregado de dossiers, pastas, power-points, computadores, pens e sei lá o que mais. E, apesar disso, gozam comigo, põem em causa a minha sabedoria. Ingratos do caraças. Estou farto disto. Não percebo. O que é que querem mais?

Sei a tabuada de frente para trás e de trás para a frente, faço cópias, faço ditados, faço os exercícios todos do Palma Fernandes, faço folhas de excel de olhos fechados, nunca faço cábulas, não preciso, sei tudo de cor, e, no entanto, nada me bate certo. Caraças. Que raio de país é este, que raio de gente é esta? Não consigo acertar uma única previsão, não consigo atingir um único objectivo. Nada. E, no entanto, faço tudo bem feito. Sempre fui bem aluno, toda a gente reconhece isso. É esta gaita toda que desanda, é esta gente que me agoira, ó caraças. Só pode ser, senão não percebo nada disto.

A porcaria do défice não baixa, a porcaria da dívida aumenta todos os dias, o desemprego é uma porcaria, nada corre bem. Droga!

E, como se isso não bastasse, ainda tenho que aturar aqueles anormais que me atentam o juízo, que não acham graça às minhas piadolas, que saem a meio das reuniões para irem fumar, que me fazem perguntas com ar de dúvida. Parece que não sabem que sou o melhor, o maior... Caraças! Que falta de paciência para aturar aqueles bem falantes, armados em políticos. Odeio políticos. Odeio esta cambada toda. Finjo, faço risinhos mas, caraças, odeio mesmo esta cambada.

Estas contas que não batem certo dão-me conta do juízo. Preciso de tempo e sossego para ver se percebo se me enganei nalguma fórmula, ou se me esqueci de alguma variável. Queixam-se que há muito desemprego. Quero cá eu saber disso. E é alto o desemprego? Se me chateiam muito, ainda vou aqui ao modelo e ponho-o em 80% e que se lixe. Raios partam isto. Não percebo que raio de finanças são estas que parece que são diferente das dos livros, não estou a conseguir ter mão nesta gaita.

Dizem que estou a fornicar tudo e eu já nem tenho pachorra para os ouvir, ó gente mais parva. Em vez de estar no brasil como o outro, em vez de ter tempo para andar a namorar donzelas como o outro, estou aqui a trabalhar e ninguém me dá valor. Ignorantes, pacóvios. Vejam lá se o alemão não me elogiou? Ai não que não elogiou... Pois claro, eu sou tão bom aluno. Caraças para estes palermas!

E, agora, olhem, vou ali e já venho, tenho que ir ao granulado fazer o mesmo que o gato do outro: uma mija. Mas não me demoro, que eu sou um marrãozinho e os marrõezinhos não perdem tempo com essas insignificâncias.



[E, agora, meus amigos, depois do monólogo do ministro, aproveitemos a sua ausência para um pezinho de dança. É mais um momento feliz, Vitorino canta com o Septeto Habanero]



As finanças do ministro boquiaberto: um buraco
(um buraco num pau partido)

Na Praia das Lavadeiras no Ginjal



                                                       Eu sou
                                                       o mais boquiaberto
                                                       dos ministros

                                                       Estas finanças
                                                       doem
                                                       como um calo.

                                                       Estas finanças
                                                       devem ser um galo
                                                       cantando o ouro
                                                       que urinam
                                                       as crianças

                                                        Estas finanças
                                                        devem ser um falo
                                                        ubérrimo Brasil
                                                        de esquálidas
                                                        donzelas.


['Cinco Almas Triviais, 5' de Armando da Silva Carvalho in Os Ovos d'Oiro]


8 comentários:


  1. Olá UJM!

    Adorei o seu texto, bem construído, com um humor solto e certeiro !

    Para mim , que sou desse tempo, o "faço exercícios do Palma Fernandes" foi o máximo!

    Um abraço

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    1. Olá Joaquim,

      Aquele poema deu-me uma vontade de rir, de gozar com o nosso ministro inteligentíssimo...

      Fico contente que gostasse dele. Eu tive que me conter um bocado para não explorar mais o assunto mas, enfim, noblesse oblige.

      Um abraço.

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  2. Que fina ironia.
    Só faltou pôr o falo a "mijar" nos sapatos...

    :)

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    1. Olá jrd,

      Pois é... Como escrevi acima, nem sabe os travões às quatro rodas que tive que accionar para a coisa me sair própria para o salão. Mas fartei-me de rir com o que me ia ocorrendo.

      E tudo responsabilidade daquele fantástico poema.

      Obrigada.

      Um abraço.

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  3. satirico, tambem faz falta este genero de poesia

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    1. É um género que escasseia hoje em dia. E eu que gosto tanto da sátira, da ironia, sinto uma certa falta de as encontrar na poesia de hoje.

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  4. Que humor tão certeiro...Se não fosse a realidade dava para rir e
    bastante. Que pena os blogues não terem o impacto do que é dito num
    canal de televisão. Este texto merecia saltar do blogue para a TV.
    Adorei. Escreve maravilhosamente bem.
    Bj.
    Irene Alves

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    1. Olá Irene Alves,

      Muito obrigada. Divirto-me (às vezes) a escrever e, quando tenho o mote certo para isso, como é o caso deste fantástico poema, ainda mais gosto.

      Beijinho.

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