Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 dezembro, 2012

Possível é, todavia é fodido em português ir-lhe dando andamento


A câmara deixou de ser clara pois que é chegado o tempo das trevas. À gente da cultura o passos atira-lhes com o da ponte e vai mais uma imperial. Em particular aos poetas o passos atira-lhes com o relvas que de poesia percebe ele. Aos músicos o passos atira-lhes com o gaspar, que para roubar notas não há outro como ele. Aos actores o passos atira-lhes com o moedas já que tanto precisam delas para sobreviver. Pois que é chegado o tempo das trevas.

Aos pobres o passos diz que não andassem metidos no casino, aos velhos o passos diz que vivam de esmolas que a pensão é luxo a que não têm direito. Aos desempregados o passos diz que deixem de ser piegas.

Aos jornalistas e a quem o ouve o passos baralha o sujeito com o predicado, inverte a ordem dos factores, troca-se todo, troca-nos as voltas à vida, o sacana do passos. Pois é chegado o tempo dos relvas. E das trevas.

Aos jovens o passos diz que se ponham daqui para fora, ao presidente diz que chora agora porque não quer que lhe vão à reforma, milionários chama ele aos remediados. E do relvas diz que as acusações são infundadas. Não têm fundo as acusações ao relvas. São tantas que parece que vêm de um poço sem fundo, o sacana do relvas, diz o passos à laurinha. No fim disto tudo, quem fica rico ainda vai ser ele, lamenta-se a laurinha enquanto ajeita a dobra do lençol. Mas isso já é o passos a sonhar. 

Aos alemães o passos diz que o banqueiro diz que aguentam, aguentam, e diz também que os portugueses são fofinhos, muito limpinhos, e aos deputados o gaspar diz devagarinho que eles fazem juízos apressados e o deputado amorim treme na sua enxúndia para dizer que o passos e o relvas e o gaspar são bons, ai tão bons, do melhorzinho que há. O deputado amorim é o máximo, é o máximo, pim pim pim.

São todos tão bons, prrrim pim pim. Todos tão pirosos, tão ignorantes, pim pam pum, e andam todos mal encarados menos o relvas que anda todo rosado e esgargalado, pim pam pum.

E nós andamos fartos deles todos, pum pum pum e, apesar de tanto ruído, ainda conseguimos perceber que para aqui andamos roídos, erodidos, delidos. E fodidos, ai tão fodidos. E pardon my french. Pim pam pum.



[Bom. Hoje saíu-me isto, num registo não usual aqui no Ginjal. Adiante. A culpa é de Vasco Graça Moura que pegou na ponta da minha língua e vá de puxar. Para ver se me desculpam e se se lembram que sou uma erudita, mostro-vos uma fantástica interpretação da malograda Jacqueline du Pré tocando Elger - e agora estou a falar muito a sério]



Mural numa parede do Ginjal



                                                   o decassílabo menos ouvido
                                                   na quarta e sétima leva o acento:
                                                   possível é, todavia é fodido
                                                   em português ir-lhe dando andamento.
                                                   com solidão, natural sentimento,
                                                   fica erodido, doído, delido:
                                                   entre silêncio e ruído é roído
                                                   e um solavanco lhe dá o sustento.


                                                   ['o decassílabo' de Vasco Graça Moura in Poesia Reunida]

5 comentários:

  1. Gostei do que escreveu, uns encaixes perfeitos de gente imperfeita.
    Gostei do poema de Vasco Graça Moura.
    Gostei particularmente da foto na parede do Ginjal.

    MCP

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    1. Olá MCP,

      Gostei que tivesse gostado. Ontem diverti-me imenso a escrever o que escrevi. Escolhi aquele poema sem saber porquê e comecei a escrever sem saber o que ia sair e, à medida que ia escrevendo, ia-me rindo.

      Gentalha mesmo. Apetece-me gozar com eles. No entanto, podiam ser incompetentes e estúpidos mas inofensivos - o pior é que são, até, bastante ofensivos.

      Obrigada, uma vez mais.

      Um beijinho!

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  2. Em português nos entendemos. Mas estes adjectivos vicentinos são mal empregados em gentalha tão reles como esta. Vamos ter de inventar outros mais contundentes.

    Abraço

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    1. jrd,

      Acabo de ler o que escreve e invariavelmente fico a rir. Tem razão. Vou ver se me inspiro. No entanto, acho que não estou à altura. O Manuel João Vieira, ex-candidato, é que é moço com competência para usar linguagem mais adequada às necessidades.

      Um abraço!

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  3. Olá, UJM

    Tinha de vir ler este texto...desde há dias que o título me tem atraído.O texto está tão perfeito, com tudo a condizer que melhor é impossível.

    Realmente é um registo diferente aqui para o Ginjal mas não ficou a perder. Antes pelo contrário. Adorei as minúsculas em contraponto com a enormidade das personagens.

    Bj

    Olinda

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