Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

13 dezembro, 2012

Não é ainda a pele, apenas um rumor de lã nas camisolas


Quando vier o sol, os pêssegos estarão dourados e a tua pele também. A pele dos pêssegos estará macia, uma penugem loura, doce, e a tua pele também.

Quando vier o sol, os frutos estarão tenros, os gomos carnudos e sumarentos, muito doces. Tu também. Carnuda e sumarenta como eu gosto, saborosa na minha boca.

Quando vier o sol, o feno está maduro, dourado, bom para nos deitarmos em cima dele. Tu também, madura, dourada e macia e eu deitar-me-ei em cima de ti.

Quando vier o sol, o rio ficará brilhante, quieto, uma cama de água macia, linda, e nela navegarão os veleiros. Tu também, brilhante, quieta, macia e eu em ti navegarei.

Agora está frio, eu estou sozinho, e as camisolas não guardaram o teu cheiro. Espero o calor do verão. Até lá continuo sem olhar para trás. 

Sei que virás com o calor, meu amor. E eu já sonho com o teu aroma carnudo, doce, com o sabor quente dos teus lábios, meu amor. 



[A seguir ao poema de Maria do Rosário Pedreira, uma música que traz bem o espírito de um verão com que se sonha, um sonho carregado de promessas de amor]



Subindo a estrada que vai do Ginjal à Boca do Vento, em Almada antiga


                             
                                       Não é ainda a pele, apenas
                                       um rumor de lã nas camisolas, um recado
                                       a lembrar tardes no feno, linho lavado, o sol
                                       mordendo um rio pela manhã ―
                                       assim a distância entre a minha mão e o pessegueiro.

                                       Na estrada
                                       as flores demoram-se até às laranjas,
                                       mas o aroma do pomar faz sede e os olhos cegam
                                       na promessa de gomos novos e doces, os mais doces. Talvez

                                       por isso se continue a viagem sem olhar para trás.



                                       [Poema de Maria do Rosário Pedreira in Poesia Reunida]

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