Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

06 dezembro, 2012

Brasília despojada e lunar como a alma de um poeta muito jovem - desenhada por Lúcio Costa, Nieymer e Pitágoras. No dia em que Oscar Niemeyer voou para a curva de uma alta montanha


Muitas horas depois no fundo da noite, da distância e da solidão Brasília surgiu, como uma estrela que se levanta no horizonte do mar. Foi crescendo devagar direita e lisa, destacando os seus volumes, desenhando as suas linhas, cada vez mais luminosa e fabulosa. 
(...)
De dia Brasília é uma cidade clara. Uma cidade lógica e lírica. Limpa de pitoresco. e não tem nada faraónico, não tem nada de oficial, não tem nada de retórica, não tem nada de discurso. É exacta, esguia e lisa como um coqueiro. E nunca é enorme, nunca sucumbe à retórica da monumentalidade. A sua beleza é contida e discreta como a beleza de um coqueiro.


(Texto inédito de Sophia, escrito em 1966, relativo a uma 'viagem de automóvel do Rio a Brasília' in Revista Ler, Dezembro 2012)



[Hoje não há palavras minhas. Hoje há as palavras, em prosa e em poesia, de Sophia sobre Brasília, uma cidade essencialmente feita de edifícios desenhados por Oscar Niemeyer. Abaixo há um concerto para violino de Haydn, uma música boa para imaginarmos um espírito luminoso que se liberta da lei da vida]


Buscando os grandes espaços



                               Brasília
                               desenhada por Lúcio Costa, Niemeyer e Pitágoras
                               lógica e lírica
                               grega e brasileira
                               ecuménica
                               propondo aos homens de todas as raças
                               a essência universal das formas justas

                               Brasília despojada e lunar
                               como a alma de um poeta muito jovem
                               nítida como Babilónia
                               esguia como um fuste de palmeira
                               sobre a lisa página do planalto
                               a arquitectura escreveu a sua própria paisagem

                              O Brasil emergiu do barroco e encontrou o seu número
                              no centro do reino de Ártemis
                              - Deusa da natureza inviolada -
                              no extremo da caminhada dos Candangos
                              no extremo da nostalgia dos Candangos
                              Athena ergueu sua cidade de cimento e vidro
                              Athena ergueu sua cidade ordenada e clara como um pensamento

                              E há nos arranha-céus uma finura delicada de coqueiro



                              ['Brasília' de Sophia de Mello Breyner Andresen in Geografia]

4 comentários:

  1. Que boa ideia trazer aqui para o Ginjal as palavras mágicas e luminosas da Sophia!

    Que bem ficam aqui nesta homenagem ao também mágico, luminoso, grande, enorme ser humano que agora nos deixou!

    Permito-me transcrever um pequeno grande poema da Sophia:

    Tive amigos que morriam, amigos que partiam
    Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
    Odiei o que era fácil
    Procurei-me na luz, no mar, no vento.

    (Biografia, in Mar Novo, 1958)


    Antonieta

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    1. Antonieta,

      Que belas palavras as do poema que escolheu. Cada vez mais me emociono com palavras e, em particular, com a poesia. Parece que nada é tão puro com uma palavra exacta, nada é tão belo como a música silenciosa que se desprende das palavras dos poemas.

      Muito obrigada, gostei imenso.

      Um beijinho, Antonieta.

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  2. Respostas
    1. jrd,

      E o traço também como um sopro.
      A palavra, o traço, a vida.
      Pontos de luz.
      Luz que atravessa os corpos como um sopro.

      Um abraço, jrd.


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