Ando em círculos. Exausta, sem esperança. Quando era pequena, andava assim, à volta. À volta, à volta, até que ficava almareada. Almareada era uma palavra que diziam as minhas avós, pára de andar à volta, menina, olha que ficas almareada. Quase caía, então, enjoada, como se tivesse vindo de andar no mar. Assim fico ainda hoje. Às voltas, aturdida, desanimada. Um dia, outro dia, e já lá vai mais uma semana, já passou mais outra?, e já passou outro mês e já estamos quase no natal, já, não gosto que o tempo corra tão rápido assim, tenho ainda tanto mundo para viver. Presa nas invisíveis teias, presa por invisíveis grades. Um dia, outro dia, uma volta, outra volta, sempre, sempre, e cada vez mais triste o meu olhar.
Palavras soltas, frases talvez sem sentido.
Onde a coerência?, perguntarão. Tantas vezes alegre, tantas vezes vadia e agora, aqui, parada, triste, uma solidão silenciosa no olhar. Não saberei responder. Os olhos fecham-se, as cortinas correm-se.
Mas não és livre? Quem te impede? Queres ir, vai.Vai. Dirão. Mas eu fico. Presa. Presa a tudo. Podem as grades estar por trás, eu à frente, livre, que não me sinto livre. Cansado o meu olhar. Quero partir, ir para o mar, voar, escrever frases com ondas fortes, atravessar vendavais, rasgar as velas de um veleiro que me leve, ir. Mas não vou.
Por aqui me fico, saudades de quando a vontade era imensa. Quero chorar, mas os meus olhos apenas já só sabem olhar o vazio. Olho com olhos tristes quem por aqui passa e sonho que o meu coração ainda bate.
Mas não sei se bate. Talvez tenha parado um destes dias, numa destas voltas.
[Logo depois da pequena pantera triste, um belo poema de Ana Luísa Amaral. E, para ver se espantamos a tristeza, um momento de baile. É Henry Purcell que aqui vem para voltear com delicada alegria]
Pequena pantera no Ginjal |
No Jardin des Plantes, Paris
Tornou-se tão cansado o seu olhar,
ao romper grades, que retém só nada.
Como se nesse olhar fossem mil grades
e, além de mil grades, nenhum mundo.
Passeia, branda, em passo intenso e leve,
movido em roda do mais curto círculo:
dança de força circulando um centro
onde, aturdida: uma vontade imensa.
às vezes, a cortina da pupila
rasga-se no silêncio. Entra então
uma imagem, que, em tensa calma, os membros
atravessa - e cessa em coração.
['A Pantera, de Rainer Maria Rilke' de Ana Luísa Amaral in Vozes]
DIA TRISTE
ResponderEliminarTédio suave
num dia plano
que se estende,
lento,
para lá da distância,
quando as memórias se enegrecem
e os pássaros
tardam em chegar.
Esquecem-se os risos,
ouve-se
uma música longínqua,
na cor mansa
de um Sol sem chama
e imagina-se,
sem esforço,
um dia de luz.
Gundula Steglitz
Olá Joaquim Castilho,
EliminarQue belo poema e que adequado ao espírito do meu post de ontem. Fui à procura na internet de mais poemas desta autora e fui parar a um blogue, ao seu blogue. Não sabia. Gostei muito. E que belas fotografias.
Vou, certamente, passar a frequentá-lo.
Muito obrigada, Joaquim Castilho!
Olá,
ResponderEliminarAviso já que roubei a pequena pantera triste para a minha galeria de gatos!
De vez en quando, gosto de ir lá espreitar os meus 'irmãos' e sinto-me feliz.
Em troca envio estes.
Beijo grande,
Antonieta
(*) Fotografias enviadas por mail
Antonieta,
EliminarÉ uma ideia engraçada essa de ir juntar gatinhos. Os cães pensam e sentem. O mesmo acontece com os gatos, penso. Pelo menos assim parece.
Gostei muito das imagens do Manuel António Pina e da Hélia Correia com os seus gatos. Que ternura e cumplicidade há (havia, num dos casos) ali.
Muito obrigada, Antonieta!
Por acaso, hoje acordei com a sensação de que o tempo corre cada vez mais.
ResponderEliminarSó depois da voltinha matinal, de ver que os meus amigos patos estavam bem, apesar da chuva da noite, recuperei o equilíbrio.
Gostei das palavras e do poema.
Mary
Olá Mary,
EliminarNão sei se é do vazio que parece ter caído sobre nós mas os dias passam a correr, quase sem deixar marca. Às vezes tenho que pensar um bocado para me lembrar de qual o dia da semana e, quando vejo que já vou em quarta ou quinta quase não me lembro de como passaram tão depressa os dias anteriores. Que coisa mais chata.
Eu também preciso de dar uma volta. Nos dias de fisioterapia tenho actividade física e é uma mudança de ambiente mas, no único dia de semana em que chego do trabalho e não tenho um compromisso, vou dar um passeio. Esta semana foi hoje mas saí tarde. Cheguei só às 8 e picos mas ainda vim a casa calçar uns ténis e fui dar uma volta. Estava um frio... mas soube-me bem.
Obrigada pelas suas palavras. Fico contente que tenha gostado (eu também gostei do poema e de escrever).
Um abraço, Mary.
Olá Jeitinho,
ResponderEliminarTão linda a sua pantera triste!
Tristes as suas palavras mas com elas me identifico!
Quantas vezes me dizem:
"Mas não és livre? Quem te impede? Queres ir, vai. Mas eu fico."
Solidão gera solidão...
Beijinho grande.
MCP
Olá MCP,
EliminarEstava ali sossegadinha, a gatinha, olhos muito doces. Eu mesmo ao pé dela, agachei-me (ainda com alguma dificuldade...) para a fotografar ao nível dela, e ela não se assustou. Mesmo muito querida.
Quanto à solidão, é uma coisa tramada. Mas, sabe?, é começando a sair que a solidão vai desaparecendo. Sei que não é fácil mas é assim mesmo. Eu vejo por mim (e eu não me queixo de solidão). Só o facto de ir à fisioterapia já areja a cabeça. Estão lá outras pessoas, conversa-se, é engraçado. Tem que se começar a sair, a arranjar ocupações fora de casa (por exemplo, no Palácio da Ajuda há muitos voluntários que ajudam na conservação). A solidão às vezes é agradável mas é quando é opcional. Se é prolongada acaba por se tornar triste. Não se deixe entristecer, MCP.
Um grande abraço, MCP!
Um belo texto.
ResponderEliminarPorque ficar é uma forma de partir sem necessitar do regresso.
Abraço
jrd,
EliminarLi e fiquei parada. Acontece-me isso às vezes quando o que leio não é óbvio mas, pensando-se, sente-se que é verdadeiro.
Ou seja, gostei do que escreveu. É uma afirmação inteligente.
Obrigada!