Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

15 novembro, 2012

Se te inflama a ideia de seres duas vezes nascido


Caminhas, meu louco amigo, sobre as águas, sobre um fio de espuma, sobre um rasto de luz e, quem te ouça falar, pensará que és imortal, que toda esta vida e a outra e a outra cá andarás, eterno, imperecível, imaterial.

Elevas-te sobre o azul, atravessas o espaço, desafias a normalidade. Andar sobre os caminhos assentes na terra não é para ti, meu doido amigo.

Gosto tanto de ver assim, sonhador, sem limites.

A vida para ti não acabará nunca, que os anjos loucos são eternos. 

Mas, apesar disso, meu amigo, traz sempre contigo a lira, e traz também a memória das palavras dos poetas. Assim apetrechado, poderás enganar as sombras, as dores, a finitude. Talvez não te levem, talvez parem, talvez se deixem ficar a ouvir-te, voando sobre as águas, subindo nos ares, e dizendo, com voz ciciada e doce, toda a poesia deste mundo.



[O homem que voa sobre as águas precede o poema de Natália Correia e, logo a seguir, mais um maravilhoso momento de música dançada e cantada. Rameau ainda.]



No Tejo, junto ao Ginjal, caminhando sobre um fio de ar e espuma



                                  Caminhando sobre o fio da lâmina,
                                  forçoso é que desças ao sepulcro.
                                  Mas se te inflama a ideia
                                  de seres duas vezes nascido
                                  arma-te de lira
                                  para enterneceres as sombras.


                                  [Poema de Natália Correia in 'O sol nas noites e o luar nos dias', II]


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