Caminhas, meu louco amigo, sobre as águas, sobre um fio de espuma, sobre um rasto de luz e, quem te ouça falar, pensará que és imortal, que toda esta vida e a outra e a outra cá andarás, eterno, imperecível, imaterial.
Elevas-te sobre o azul, atravessas o espaço, desafias a normalidade. Andar sobre os caminhos assentes na terra não é para ti, meu doido amigo.
Gosto tanto de ver assim, sonhador, sem limites.
A vida para ti não acabará nunca, que os anjos loucos são eternos.
Mas, apesar disso, meu amigo, traz sempre contigo a lira, e traz também a memória das palavras dos poetas. Assim apetrechado, poderás enganar as sombras, as dores, a finitude. Talvez não te levem, talvez parem, talvez se deixem ficar a ouvir-te, voando sobre as águas, subindo nos ares, e dizendo, com voz ciciada e doce, toda a poesia deste mundo.
[O homem que voa sobre as águas precede o poema de Natália Correia e, logo a seguir, mais um maravilhoso momento de música dançada e cantada. Rameau ainda.]
No Tejo, junto ao Ginjal, caminhando sobre um fio de ar e espuma |
Caminhando sobre o fio da lâmina,
forçoso é que desças ao sepulcro.
Mas se te inflama a ideia
de seres duas vezes nascido
arma-te de lira
para enterneceres as sombras.
[Poema de Natália Correia in 'O sol nas noites e o luar nos dias', II]
Sem comentários:
Enviar um comentário